quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Um convite à crueldade

Fácil fazer um convite à paz, ao amor e à nobreza de sentimentos. Elementos transcendentes, enrijecidos num campo moral que se faz além do corpo, e que só funcionam quando em minha perversão penso que existe Eu, e que Eu habita o corpo.

Dicotomia assassina- acaba com aquilo de mais vital possuímos. O império da alma oblitera o corpo, e se pudesse, o exterminaria de sua existência. Algo em nós deseja esse extermínio, algo que foi capturado e modulado de tal forma que agora deseja que aquilo que é vital extinga sua flama.

Esse algo que carregamos não cabe na definição natural - nem artificial. Esse elemento constituitivo de mesquinhez não possui a mesma forma para cada singularidade - mas seu resultado é o mesmo: a vida atrás das grades.

Textos amaciados jamais alcançam um encontro. É necessário que a vida entre em risco para mostrar sua potência. Devemos ler crueldades - o que é diferente de perversidades -, que causem tremendo mal-estar, que passem como uma lâmina onde nosso corpo havia perdido o instinto.

Homens de fé. Temerosos dos instintos e que negam as mais belas virtudes do corpo. Negam a vida e aquilo que os afeta - e pior - justificam sua ausência do momento por um mito, e alastram uma mentira ainda maior quando se esconder por trás da cruz - mesmo a cruz atéia.

O outro mundo! A terra prometida! Um brinde ao pervético vício iconoplasta! Qualquer forma que o mito apresente, ele nega aquilo que é necessário para constituí-lo - depende do desejo, depende do instinto para plasmar essas distopias que afastam o corpo de seu instinto originário.

E as utopias dos homens de convicção - um saboroso vamos mudar o mundo? Disfarçado bem sutilmente de vou tomar o mundo da forma com que o desejo. Apenas se troca os desejos constituintes, quais são validados e quais não. E o inferno como um certo filósofo diria - o inferno é os outros. Claro! Para um homem de convicção, encarnação de narciso, tudo que não sai dele, que não é espelho só tem um destino - a feiúra e sua podridão.

Utopistas! São eles que criam o inferno na Terra! Vivem da oposição de valores, vivem da oposição de castas e de ideais. Vivem da oposição corpo e alma! Jejuam o corpo para fortalecer a alma, alma definha pois lhe falta corpo. Dizem ser democráticos - enquanto sua opinião se sobrepor às demais. O outro é o erro, e o Eu que nos separa é deus em carne - e divinamente inquestionável. Infernalmente mordaz com a diferença.

Aos apologistas da diferença, vocês são víboras disfarçadas em pele de cascavel. Quem acham que enganam? Hipócritas! Aceitam as diferenças que não nos tornem diferentes! Agora, se algo é tão absurdo que rompe essa camada morta de pele que nos recobre, até mesmo a pele desse Eu que nos separa em nós e outros - ah meu filho, é nessa hora que você vê a sua baixeza. Torna a diferença um zoológico, ali longe, ilhada onde não possa lhe atingir, e donde possa rapidamente desviar o olhar quando se torna demasiadamente desconfortável.

Homens da mediocridade – são mesquinhos de vida. Fogem da vida a todo custo. Economizam grão a grão de vida para apodrecerem ou serem incinerados no final, desperdiçados. Jamais saberão o que é suficiente de potência, pois não se atrevem a romper os limites de sua mesquinhez. Não sabem o que é ser suficientemente vivo, pois nunca deixaram que seus limites fossem arregaçados, esfacelados pela vida. Demasiado é uma palavra da qual fogem.

Buscam fantasias de verdade para que não precisem enfrentar a vida. Por que verdade? Para viciar as crianças com tamanha droga? A perquirição de um lugar último e que esteja assentado nos valores daqueles que incutiram esse vício na criança? Vil estratégia - se os homens não lidam com a vida, ceifam aonde a vida é experienciada. Na vida não há verdade. A criança não é movida à verdade, nem os animais ou as plantas. A inoculação desse veneno objetiva manter os anciões em seu lugar – assentados em seus caixões, e hipnotizadas, as novas gerações exalam esse tóxico adiante, inebriante. Cheiro de morte e podridão.

Verdades que nos acalmam e nos consolam são o vinho envenenado que corrói nosso corpo. Vicia e nos macula. Esta taça que silencia corações deve ser partida – e os taverneiros deixados em sua inebriante loucura. Ou sanidade, como se dizem. Deixe-os com tamanha perversão.

Para essa existência mesquinha – basta ter a verdade em mãos. Mas para viver, não basta. Não. Precisa encarar o abismo de frente, precisa carregar a crueldade da vida para dela extrair sua potência. A vida não está do lado da verdade.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Espírito digital

Os anjos desabitaram os céus
os homens já não olhavam para cima
- ou mesmo para baixo.

Nem ventos gélidos, nem nuvens nômades
já passou-se do suficiente
cansados - mudaram-se

Agora habitam uns chips por aí,
fecham mensagens que não queríamos ver
ou desligam o computador quando se passou a hora

Famosos lags - são eles os responsáveis
se vozes do além já não são ouvidas
resta mexer nos bits da programação

E de erro em erro, traçam nossos caminhos
uma palavra diferente no site de busca
um email de tempos perdidos

Agora são vistos em telas de computador
e não precisa ser médium não
basta ter olhos para enxergar esse espírito digital.

domingo, 29 de novembro de 2009

Passos acelerados

Passos cambaleantes,
Passos ziguezagueantes,
Passos acelerados,
Eu passo, não
Algo passa, eu não passo
Fica, estagna, endurece - quem sabe passa
Custa a passar
Desce rasgando a garganta - passa arranhando
Passa de fora para o fora que me constitui
Passaria a dor, mas não passa mais - não digiro mais
Coisas passam, eu fico - estou preso
Instintos passam, sensações passam - palavras não
Tudo repassa, aos meus passos
Passa paisagem, passa homem, passa animal -passos a passo
Tempo não passa, arrasa
É cruel com nossos passos - é cru com o passar
Passa o passo a passo, e acelera
O tempo continua a passar cru,
Mas você anda passos perversos
Passos apressados de promessas
Passos ao nada que te carrega

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Paisagens humanas

Algo acontece nesse mundo. Algo demasiadamente grande.
Ao certo nada se pode se dizer, nem ele nos dizer.
Tão grande e enigmático que nondem sua presença.
Poderia pensar num acontecimento, num devir, ou mesmo num afecto.
É não. É algo que não é além, mas nem por isso aquém.
É de uma qualidade, uma presença.
Isto! Uma presença.
Não é um fantasma virtual, nem uma massa perceptiva.
Esta presença ainda não é formulada, não é um conceito.
Precisa respirar, antes que se torne algo.
Precisa encorpar-se de mundo, incorporar-se ao mundo.
É de um nível, uma ordem que não é humana, ou divina, ou animal.
Mas a presença tem a ver com um algo. Algo que é Outro.
Não é só Outro, mas é Corpo também, e Paisagem!
E seus duplos. Seus espelhos.
Não é um campo verdejante ao pôr-do-sol,
em meados da primavera que constitui a Paisagem.
Nem mesmo são as células que constituem um Corpo,
ou diferenças que se faz um Outro.
Arte em parte apresenta ecos da Paisagem
existe um quê de conservar em si mesma que é comum a ambas.
Corpo e Outro se constituem e restituem no encontro com o mesmo.
Nem um, nem outro encarnam objetos que se sustentam em si,
o Eu não se sustenta em si, mas se sustenta em algo, numa Paisagem.
E a presença estabelece uma relação estranha com estes três elementos.
Ela pende para um, desvia a atenção costumeira, e a foca na rachadura por vir.
Não de surpreender, mas ela intensifica a dobra até seu rompimento,
a comprime para extrair seu máximo, não em qualidade, não em produtividade,
mas seu pico de potência, seu último grito antes do esgarçamento,
que pode ser o mais oco possível, como ser uma lâmina afiada,
navalha de nosso ser. Provoca uma ferida em nossos olhos.
Machucados a luz adentra, chamusca e cega de tanta luz.
O Corpo pesa. O Corpo é obeso, sedentário, e não consegue lidar.
Não é o corpo que vai para academia praticar musculação ou exercícios aeróbicos,
mas é a este Corpo a quem falta nossas artes circenses, a quem falta as acrobacias de afetos.
Sua visão, sua atenção, demasiadamente focadas na Paisagem. Nas Paisagens humanas.
Viu o homem virar uma arte ao avesso, aquilo mais entranhoso foi jogado para a Paisagem.
E tudo virar uma tela, uma mega escultura global e uníssona. E a Paisagem assume seu duplo mais perverso.
Desviada de sua função de compor com, ela se torna sequestrador.
Sequestra o olhar, captura o Corpo e aprisiona o Outro.
O homem foi capturado por sua imagem e semelhança.
Mas o jogo ainda não terminou. Esta presença está lá.
Ali na vizinhança. Ela é grande demais para ser apercebida.
E não são videntes ou iluminados que vêem ela,
mas aqueles que tiveram sua visão fendida,
aqueles que foram tocados pela graça e pelos horrores da presença.
E não foram eleitos, simplesmente estavam lá.

sábado, 7 de novembro de 2009

O império do Reciclar ou...

Dias atuais, todos já sabem a anamnese do planeta. Rios poluídos até sua última gota, pássaros caindo dos céus feito bombas de gás carbônico, das plantas resta um verde esfumaçado quase cinza.

A cidade das luzes, sufocada por uma densa névoa. Seus moradores, pálidos e colapsados como sua cidade. Já aderiram até seu último suspiro a esta paisagem feita de máquinas, gases e lixo tóxico que eles mesmos contruíram. Sujeitos? Não...

A cidade perdeu sua fábula. Se antes plantas, rochas e animais podiam se comunicar conosco, hoje são as máquinas que se comunicam por nós. E só entre elas. É ônibus que fala com farol, briga com os carros e enamora-se da caminhonete. Na indústria um robo fala com o outro, enquanto naquele canto silencioso, lá estãos seres que já compõem paisagem. Mas só a paisagem.

Quem somos nós que movimentamos sem brilho, cantamos sem paixão, olhamos sem alma?
Condenados a essa cinzetude? Mas quem nos encarcerou nesses cantos e recantos desse homem-máquina?

Até uma rocha que rola do topo da montanha para se espatifar possui uma qualidade de graça que já não acessamos mais. E nossa tristonha visão ainda quer nos reatar a esse mundo produzido em nosso torpor, guiando-se como moscas em torno de um reflexo de luz. É ouro de tolos. E quando o achamos, modificamos seu formato e jogamos novamente para a escuridão, onde mergulharemos nesse lodo pegajoso.

Felizes os animais, que carregam consigo um mundo de deleite sem se preocupar com dádivas amoedadas. Vivem aqui e agora. E nós, ainda temos a audácia de nos sentir envergonhadas com esse corpo nosso que é bicho. Como gostamos de inventar mentiras para que elas nos joguem para outro mundo, paraísos de prados verdejantes, onde faremos a atividade humana que mais prezamos, ruminar na grama feito bois. Queríamos ser bovinos! Rejeitamos até o bicho que a gente é para ser outro!

Mas aí que a gente se engana mais uma vez, queremos ser bovinos sem a qualidade de animal, isto é, queremos ruminar tudo aquilo que é feito de lembranças, sentimentos endeusados e ressentimentos sem jamais aceitar o momento que se passa agora. O boi abraça a vida, a gente deserda ela.

E quando antes sussurravam, hoje é aos gritos que aderimos à essa vida mecânica. Reciclar é a ordem. Reciclar não só latinhas de refrigerante, garrafas PET ou folhas sulfite. Têm-se também que reciclar padrões, comportamentos, pensamentos. A ordem é tornar tudo lixo, para derreter e fundir numa nova forma, mas mesma essência.

Assim se faz com o trabalho, mas não só com ele, com a identidade também. Mudou-se a forma do trabalho capitalista, mas essa produção intermitente de riquezas é ganho para quem, para as máquinas? Que elas são as mais beneficiadas com a produção. Elas estão no centro das atenções, e o resto é paisagem.

Identidade é uma coisa que se vem reciclando também. Aliás, é algo que nos tornamos viciados em reciclar, para que possamos consumir novas. Criar, inventar, experienciar outros fluxos? Não, os estilos permitidos são apenas aqueles que estão em alta no mercado mundial. Se não dá pra vender, em sociedade não vive.

É o imperativo do recicle! Recicle os ideais, os valores e os estamentos. Recicle sua vida. Mas jamais, repito, JAMAIS tente viver de uma forma que não está nas vitrines do mercado.

ou...
corra o risco de estar sensível a vida e a abrir fendas em teu corpo cimentado

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Poemas interativos =D

Colour my world
http://www.newgrounds.com/portal/view/515024

Freedom - Person lost
http://www.newgrounds.com/portal/view/470206

Colour my heart
http://www.newgrounds.com/portal/view/483057

Little wheel
http://www.newgrounds.com/portal/view/498994

nada como poemas interativos para animar o dia =D

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Um estalo antes de dormir

mão com pé, peito com punho, eis a batida
o corpo é instrumento
o corpo canta
inauditas as palavras
mas profundos os afetos
quem dera olhar o chão vê-lo em blocos
mas o corpo insiste, paralisa tudo para ver a dança
ladrilho que vira retângulo, que vira triângulo, que vira moça
parede suja que vira história encantada e baile de debutante
não é invisível, lá está
mas só canções que invadem os olhos vêem
o corpo adquire musicalidade, exala musicalidade
capta musicalidade do mundo
capta dor do mundo
e assusta-se
o corpo frenético que dançar
enrijece o menor dos músculos, comprime ao limite o mais frágil dos ossos
e na cabeça
choque atrás de choque
um estalo aqui, outro acolá
ouve
você ouve
e só pode deixar ouvir
uma brincadeira de imagens sucede, sem controle
não faz parte do comum, mas de um seleto comum
você toca e ouve, sente a batida do corpo, do outro corpo
e numa sinfonia triste teus músicos se afinam a dor
aos calores e às friezas
que despontam sem sentido
enquanto as margens de um caderno se fundem
faz batalha de dragão e mago
merge tudo
vira flor
desabrocha
vira dama
levanta a saia
te perguntam o que está acontecendo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Crachá por favor.

Nada como ir à faculdade discutir sobre o modelo empresarial que absorve tudo: escola, saúde e trabalho.
Agora, se o que fazem é crítica ou apologia dessa lógica, ninguém sabe.
Ao menos eu não sei.
Falam tão mal dessa empresa, mas ao mesmo tempo a gente a reproduz em tudo.
Inclusive em colocar a camisa da uma faculdadezinha de saúde às avessas.
Saúde, apenas para os outros.
A gente se vira no tempo que não nos resta.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

sábado, 26 de setembro de 2009

Nem lá nem cá

O primeiro grito

Autoriza!

Segue-se o segundo

Libera!

E um sugestivo terceiro...
Desaba


Três gritos que ecoam na mente de um homem,
variadas são as intensidades
e seus modos de afetação

O primeiro ato é estridente, gago
é algo que começa a tomar forma
dobrar-se e enclausurar-se

Primeiros marcos de sua formação
movimentação trôpega
a passos de hipopótamo
é a brutidão contra o corpo

Após tantas traves colocadas
o homem solta seu segundo grito
já não aguenta viver docilizado

Reage rumo animalidade
mas apenas racionalmente animal
o homem diz não ao não

Indícios de uma resistência
armada até os dentes
quebrando suas origens
em troca da liberação

Faz-se um vazio
o corpo esteve contra ele mesmo
e o incômodo surge

Entre o nada de conduta
e a disciplina do rebanho
resta um corpo em conflito

Sugestivo terceiro grito
não lá da platéia que se houve
pois não é de palavras que ele é feito
é corpo do artista que age

Em sua exaustão
o corpo desaba
e percebe o chão

Rasteja pela horizontalidade
e percebe-se num novo paradigma
não quer mais os céus ou o inferno

Outras direções surgem,
outras possibilidades,
além da disciplina e da liberação
na criação inerente do desaba.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Artivismo político

Uma voz na multidão, silencioso grito de uma carne endurecida, batida e amaciada. Escalandosamente cai o portador da voz, contorce-se no chão, e a multidão se aparta do gado repartido.
O rebanho auspiciosamente observa aquele estranho em ninho, ovelha desgarrada, machucada. Abre-se lentamente o círculo da exclusão-inclusão, o circo se apodera do espírito da multidão.

Sob os holofotes do picadeiro o acidentado sobre o asfalto batido que sufoca a terra e os pequenos grãos quer se chamem gramíneas quer se chamem crianças quando crescem é pela marginalidade e ressequidas pela aspereza e sujas pelos constantes atropelamentos desses carros chamados educação e política sem nos referir a beleza assassina dos bons costumes e da tradição que a cada dia ceifa prematuramente qualquer vigor ou lampejo de vitalidade que se faça dentro dos tribunais públicos da vida cotidiana onde se encontra o pilar da sociedade e seu porteiro das pequenas maldades enquanto não chega o vizinho para denunciar sob a porta do 601 que aquele grito que pertubou o asseptizante sono de beleza plástica da alquimista ao contrário era a criatura abominável que vive e cresce às várzeas das ruas da cidade destronada onde a lei se faz cinza e a pastelização é o imperativo categórico moral do bom cidadão que atrela-se aos graciosos bons costumes das marias que não são flores e nem graça possuem mas que vivem como vampiras seguindo as ordens da velha moradora atormentada pela visão cósmica de deuses faz a todos temerem suposto fim de mundo sem saber que tal fim pode ser a recuperação de uma vida que já não se faz mais pela pele ou suas entranhas recheada de medos e supertições tentaculares que sufocam residente a residente extorquindo todo hálito possível que haja num coração que ainda insista em pulsar e a resistência esvanece pois não há homem ou mulher que queira fugir das peles de lobo e suas lareiras intoxicantes cerceando a cama de fuligem em seu pequeno quarto sem janelas ou amor pois mais fácil é descer pelo elevador cego para o além de narciso e entrar em seu carro para amaciar ainda mais o asfalto e atropelar os vermes que ainda insistem em se mexer mas que nunca saem do condomínio até que esses vermes entranham e o inexperiente médico do 104 incapaz mas repleto de glórias e honrarias prescreve remédios que matam esses invasores a custa de um câncer que percorre lentamente e se pulveriza pelas tubulações de cromo enferrujado do esqueleto de vidraçaria estilhaçando com o peso de tantos moradores e ratos adjunto simbióticos a cada indivíduo de bafo de ressaca pela vitória de ter matado as crianças do mundo e substituído por galões de álcool enquanto dormiam sob seus leitos crendo protegidas na casa de seu mais furioso algoz na panoptia familiar restrita a danones desenhos e conexões com os metafísicos mundos cibernéticos do qual enfeitiçadas adultilizam-se à idade de de três a quatro anos porém mais jovens ficando velharacas de museu.

Levantou-se ovelha desgarrada sem respirar, deu com os ombros pra multidão, e partiu enquanto àqueles que restavam nada mais diziam além de:
A culpa é da poluição

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Manifesto da linguagem

Chega!

Basta!

Já não se aguenta mais!

É pau, é pedra, é fim de caminho, diria a música

E eu digo: é hora de pegar paus e pedras
Já é hora de deixar de ser ingênuo
Já é hora de revoltar-se com a casa
e hora de explorar novamente a mata

Se há uma pedra no caminho
Se há uma estátua no caminho
Se há uma catedral no caminho
Quem disse que acaba aí o caminho?

Basta!

Basta de sossego!

As palavras estão muito duras, os poetas: mortos

Enquanto isso os tablóides de jornal reduzem o mundo a 26 letras

Troca-se vida por informação
Monta-se o palco, encena-se o massacre e o assassinato

E a platéia, indignada com a situação
Explode-se em catarse de lágrimas
Não resiste a se amortecer com o espetáculo

Olhares vidrados, extinguidos de vida
Ouve-se um grito, um grito entranhal

É a puta que solta seu último suspiro diante do cafetão
É o pai ajoelhado diante da arma que sua filha carrega
É o menino do tráfico acovardado pela polícia-guerrilha
Por um momento, a platéia se choca

Mas apenas um momento,
Pois vira-se a página
E seus olhos secos se direcionam aos cadernos de cultura

Olhos se cruzam com linhas
letras, palavras e frases
mas do mesmo jeito vertiginoso que passa olhar
não se deixa tocar pelo que é escrito

A linguagem corre sério risco
ela já não nos afeta mais

nossa cabeças estão obesas demais para ler
nossos corpos - raquíticos demais para sentir

as catarses que nos assaltam, nos atropelam
mais são deveres culturais do que um corpo que chora
não é um corpo em devir, mas um sentimento em estamento
diante de nosso imaginário, de nossas fantasias sociais
utopias e distopias de um novo mundo

Basta!
É hora de pegar os paus e pedras!
Pegar essa pedra, essa estátua, essa catedral no meio do caminho
e estilhaçar sem nenhum remorso
Quem sabe assim, movendo os músculos, nossos corpos não sintam mais?
Que cada palavra seja obliterada
que denuncie as mazelas daquilo que chamamos
BEM, AMOR, CIÚME, MAL, ÓDIO, VIDA, DEUS
Chega de abstrações!
CHEGA!

Cansei, dessas palavras que a gente usa inconsistentemente
Cansei dessa nossa mania de perverter as palavras
de torná-las nossos deuses e deusas
Cansei das letras que se aglutinam e se dizem de vanguarda
cheias de significados e sentidos, permeadas de metalinguagem

Se a vida não se justifica, porque a linguagem o tem que fazer?
Repugnável poder que o homem dá a palavra da metalinguagem
em troca da submissão da vida à sua ordem gramatical

A linguagem deve desertar-se de seu significado
para viver ela deve rejeitar toda pretensão a uma ordem
tornar-se uma estrangeira em seu ninho

Sair das amarras da abstração
Afirmar sua comunicatibilidade com a vida

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Conexões corporais

Que tecido é esse? Que corpo é esse? Que pele é essa?
Derme sensível, tocada por forças que nossos olhos, blindados como estão, não conseguem ver.
Forças que amassam a pele, dobram o corpo em alguns pontos à medida que torna plano outras dobras.
Lugares são intensificados e outros são desinvestidos.
Que corpos são esses? Corpos não necessariamente orgânicos, funcionais, talvez, quem sabe, um corpo sem órgãos também caiba aqui. Corpos teciduais, feitos de retalhos, e dobrados, redobrados em uma finitude de componentes, mas numa variabilidade de combinações quase ilimitada.
Não é um corpo que busca o ilimitado, não é corpo desejante em se constituir conforme o Modelo, o Homem, ou mesmo Deus, não é um corpo que queira necessariamente chegar a um ponto fixo, e construir sua casa de palha nas dunas de areia da existência.
As torres de outrora desmoronam, desfalecem, esmaecem tijolo a tijolo, erodidos pelas areias do tempo e do campo. Quem saiba ainda restem Eus empapagaiados, em seus poleiros dentro de suas gaiolas, admirando sua biblioteca magistral, os tapetes de animais empalhados, tapetes defuntos, uma lareira queimando lenha e soltando uma fuligem negra, asfixiante e que recobre o ambiente como uma névoa venenosa.
Lá está esse grande Eu em toda sua glória, feito um papagaio em seu poleiro, prisioneiro de uma gaiola que ele mesmo criou, ele se tornou seu próprio algoz. Não deixa de falar de seu projeto para a humanidade, porém jamais em contato com ela, conta verdades que só o são em sua psicose diária da exclusão, exclusão de tudo que difere de sua opinião. É refém de sua própria conduta, é esse homem velho, cada vez mais jovem nas aparências, que transformou seus valores em suas grades, num ímpeto de reafirmar uma identidade moral já perdida.
Não que não haja moral nos tempos agora pós-modernos, mas a dinâmica dela mudou. Não é mais uma moral individual que foi dada a Deus para alguns espalharem, serem seus profetas, seus sacerdotes, transformando todos aqueles que não são tocados por Deus em infiéis, ou no melhor dos casos, existe a conversão religiosa em seu tenebroso sentido: transformar homens em cordeiros de Deus.
Hoje a moral está mais para um fluxo do que um estamento. Não é mais um relâmpago que desce dos céus e queima, devora a terra, mas é um como o leito de um rio, que alarga e afina diante das rochas da existência, rochas das mais variadas texturas: duras e vulcânicas, dispersas e arenosas, rochas mutantes e metamórficas. Nosso corpo faz o rio, nosso corpo afeta e é afetado pelas rochas, em certo ponto somos a rocha. Nossa moral hoje é corporal, é das mãos que fazem, das mãos que curam, é a moral da célula, individual em sua dinâmica sobrevivencialista, mas quando em relação intercelular produz as mais belas formas de vida: de gramas rasteiras a imponentes orvalhos ou delicadas cerejeiras, de baratas, ratos e lesmas a um bem-te-vi, um falcão, um cisne, de gambás a lobos, cães, leões. Da célula ao animal, da célula ao homem.
A célula é finita, tem sua vida datada, e assim que as areias de seu tempo deixarem de cair, ela entra em processo de desintegração, libera de seu ser seus elementos constituintes, que podem vir a ser usados por outras células finitas, que se combinam em profusão de linhas e vertentes, formam tecidos e órgãos, e tecidos e órgãos formam corpos, e corpos em conjunto se combinam mais uma vem: criam o socius, criam a moral, criam o amor.
Cria-se o amor, e com amor se cria. Um amor que não é feito de transcendentais, um amor que em conjugação com corpos que a cada instante não são mais os mesmos, combina-se, cria uma dobra aqui, e acolá estendemos esse tecido corporal. É claro que o amor não é algo fácil, o amor incomoda, e muito.
Não é como as coerções sociais, médicas ou políticas que permeiam nosso caldo de cultura e que não damos tanto importância, e por isso não nos incomodam tanto, nos blindamos desses diagramas, eliminando aos poucos, ou melhor, recalcando, levando para o inconsciente tudo aquilo que não reluz para nós.
Aceitamos fácil que a cultura deva ser de tal jeito, que a sociedade sempre tem e deve ter seus excluídos, que a política é algo feito de cima pra baixo, ao invés de ser horizontal, com a ativação de nossa voz política e retomarmos nossa capacidade de fazer para nós, e não para uma entidade quase divina como o governo. E discutir se o que o médico receita faz bem ou mal, se ele nos trata de forma digna? Pra que isso!
Mas em nossos tempos, quando se fala de amor é difícil não ser afetado. Ou se é apaixonado por ele, ou emite um profundo ódio quando se toca nele. A indiferença existe, em corpos que já não sentem, mas são poucos que trocaram sua pele por uma fina camada de metal, asséptica, lisa, insensível, imagética, ainda são poucos corpos que perderam suas vísceras para adquirir o status virtual da imagem.
O amor quando em profusão toca corpos, libera resistências e as cisões Eu - Outro vão adquirindo um espaço, quem sabe um não-lugar, onde a distinção já não é possível, um ponto onde já não sei mais quem sou, quem você é, um ponto de urgência, um ponto que realiza transformações sutis ou brutais.
Também pelas péssimas experiências amorosas, fazemos de nossa pele uma armadura, vivemos em estado de guerra, alertas ao menor sinal, rigidificamos o ser, e as dobras se tornam nós explosivos, que ao menor toque liberam uma energia difusa, agressiva e dominadora, que machuca a quem toca, a quem está perto, e a si mesmo.
É difícil desapegar-se dessa densa armadura, a erguemos para nos manter estáveis, parados, petrificados no tempo, mas quando a mão do outro chega, com boas ou más intenções, nos desestabiliza, nos retoma ao fluxo do tempo, e nos obriga a sair, mesmo que seja apenas por um instante, da floresta petrificada em que convivemos.
O outro nos toca, tocamos o outro. É uma conexão em que nos misturamos, é a comunicatibilidade dos corpos que não passa necessariamente pela linguagem, nas línguas mais atuais, é um plugar-se em rede, rede de corpos, rede de seres, rede de vidas.
Redes de amor.

domingo, 16 de agosto de 2009

Farmácia de escrotório

Como dizem: escrever é para os ociosos.
Escritores, assim como artistas, são gente que não fazem nada. Pessoas que não querem nada da vida. Não são trabalhadores, não consegue aturar as experiências duras do cotidiano. São melindrosos, sentimentais, ilógicos.

Esse é o senso comum, arte...pra que arte? Para nos divertir, para nos desestressar...
arte para lazer...

E hoje em dia, tão cheio de workaholics, trabalhando dia e noite em escritórios, cúbiculos, fazendo da empresa seu deus.

Arte...pra que arte? Para fugir desse cotidiano estressante? Obter um lugar de subterfúgio desse mundo alucinante, onde homem atropela homem, o dinheiro em primeiro lugar, as máquinas...em segundo?!? E em terceiro...ahá! Pessoas?

Não, não são pessoas, são cyborgues. Totalmente programados. Aprendem regras de etiqueta, pois se não a tivessem não saberiam tratar uns aos outros. São ensinados a comer. São ensinados a dançar. São ensinados a labutar.

Vivem num mundo (des)encantado. Para acordar: despertador. O corpo ainda tem sono, dormiu poucas horas. Café, coca-cola e pó de guaraná para ativar a cabeça. Que o coração pife, não há lugar pra ele no escrotório das ruas de São Paulo.

Dores- aspirina
Impotência- viagra
Para atenção- ritalina
para depressão- prozac
para sucesso profissional- coaching
para criar- drogas
para fidelidade- ocitocina
para sinceridade- soro da verdade

Para amar- a...mar? Desculpe a farmácia não vende pílulas de amor

Vendemos trabalho. Compramos sua consciência. Compramos seu espírito.
Resta corpo-máquina.
Corpo que repete.

Repete...

Repete bom dia, repete boa noite, repete cumprimento, repete obrigado.
Jamais inicia, sua programação não permite.
Treina-se para passar a perna, para ser malicioso.

Não se preocupe, logo criaremos chips, e colocaremos em seu cérebro, não precisara nem mais pensar. Pensamos por você, fique tranqüilo.

Sabe aquele estremecer no peito, aquela alma que chora?
Vamos calar ela, quem precisa de alma quando tem um carro novo?
quem precisa de espírito quando se pode pagar por qualquer coisa?
qualquer coisa...

qualquer coisa?

Tudo tem seu preço? Tudo é preço?
Quem coloca o preço? Não lembro disso?

Eu não lembro?!?

Um abajur tem seu preço, um chocolate tem seu preço, uma caneta tem seu preço? tem, né. É a lógica.

A vida tem seu preço.
O espírito tem seu preço..
A alma tem seu preço...

É a lógica! Claro que é a lógica! Tem que ser a lógica..lógica...
Lógica...

É lógico que eu deva vender minha vida, para que outros vendam suas vidas
É claro que devo trocar minha vida por um pão, e ensinar meu filho isso!

Não tem outra opção a não ser aturar as pressões de um trabalho que te chicoteia.
Coluna pra quê? Aspirina
Dor de cabeça pra quê? Aspirina
Divagar a vida? Seu vagabundo! Tome ritalina

E toma cacetada! É trabalho que desaponta. São pessoas que te iludem. É a mente que deixa de ser humana, é a mente cyborgue.

Você foi adultilizado.
Viva os benéficios da insônia, de ter sua criança enjaulada num quarto escuro, de seu coração dar piripaques.
Programe-se! Claro: segundo nossos disquetes, nossos livros de auto-ajuda
Siga nossas receitas de felicidade

.
..
...

Arte... e ócio
que coisa terrível para a vida
Sensibilizar-se

sentir o coração da música, a vibração da pintura, o toque do abraço
amar...
outrar-se...
pacificar-se...

Afinal, pra que tudo isso se eu tenho um Cross Fox???
Arte...pra que arte!

sábado, 25 de julho de 2009

Encantos de blogar-se

Estou cansado de ouvir as pessoas falando que o blog é mero diário cibernético onde colocamos as narrativas de nossa vida e as tornamos públicas por uma imposição midiática decorrente do capitalismo e da sociedade do espetáculo. Estou cansado de ouvir que o blog é um instrumento de reafirmação identitária, que ele nada mais é que um canal de comunicação e que só desocupados perdem seu tempo com eles.
Já estou cansado, esgotado desses papos monistas que dizem que algo só é útil se houver um princípio por trás do que se faz, que o blog só é útil quando providencia um insight ao leitor ou ao escritor, gente que fala mal de blog e que ressalta as verdades indubitáveis das revistas semanais, e acreditam fervorosamente nos padres dos telejornais.
Se eu tenho algum objetivo com meu blog? Tenho, mas é bem diferente da opinião dos especialistas. Aqui não é um lugar de escapismo do mundo, onde eu fico meramente a deriva de meus sonhos e devaneios, reapresentando, meus conflitos, minhas dores, minhas alegrias. Muito pelo contrário, aqui é onde experimento a intensidade do mundo, onde percorro esse campo de intensidades, não de histórias já escritas e pontuadas, se há histórias, apenas as que podem ser constantemente reformuladas.
O blog é um laboratório, um laboratório de experimentações. Aqui eu não afirmo um Eu, um Self, um Si mesmo, aqui eu os crio e os experimento, e posso fazer uma brincadeira sem cerimônias de mudança de Si, ou mesmo negação de Si, posso brincar de artista, de poeta, de cientista sem que eu seja algum deles, posso brincar de heterônimos como Fernando Pessoa o fazia.
E posso conviver com a multiplicidade dentro de mim, sem querer negá-la ou reduzir a uma unidade. Posso ser um materialista e espiritualista ao mesmo tempo, posso ser cristão, judeu e ateu sem dor de cabeça, e posso ser nada disso, pois ao não afirmar uma identidade em detrimento das outras, você está aberto para experimentar o sensível em cada particularidade, você se torna alguém com largueza de alma.
Você não precisa percorrer um esgotamento de identidades, um esgotamento das possibilidades de “mascarar” a si mesmo, nesta lógica, pois aqui não se testa para saber qual é melhor e qual é pior, a gente testa para saber se em tal momento as intensidades que formam aquela identidade estendem ou contraem minha pele. Não é a questão de um espírito já pronto que abre os olhos e nós temos que nos adequar a ele, esse espírito está em constante expansão, expansão de subjetividades, expansão de virtualidades, expansão de sensibilidades.
Não temos algo pronto, algo ready-made que pegamos e temos de desvelar. Por sinal, o ready-made surge após a industrialização, na idéia de produção massificada e da qual o homem não tinha contato direto com o produzido, de um lado a fábrica entrava a matéria-prima, e do outro sai o produto, e a maioria de nós só via o produto e achava que era assim, por mágica que as coisas funcionavam.
Não nascemos prontos, nascemos para crescer e alargar, para construir e criar, não nascemos para desvelar uma subjetividade humana que é una, irredutível, original, é por sermos centelhas, átomos e moléculas de sensibilidade que se unem numa explosão fotoquímica que criamos a singularidade de um ser. Ser animalidade, ser humanidade, ser divindade.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Entre tantas coisas

A gente se acostuma...
A gente se acostuma nos dias frio de inverno a ficar debaixo das cobertas
A gente se acostuma a não abrir as janelas em dias de chuva
A gente se acostuma a olhar para baixo, a ver nada além de terra
A gente se acostuma a querer ficar em casa, e não sair por nada desse mundo
A gente se acostuma à mesma casa, à mesma pintura, aos mesmos móveis
A gente se acostuma a erguer um templo para a televisão
A gente se acostuma em viver em nossos quartos
A gente se acostuma aos mesmos canais, à mesma programação
Acostumamos a comer rápido, não conversar com aqueles na mesa
Acostumamos aprender apenas ouvindo
Acostumamos a sentar em cadeiras e esperar que a aula termine
Acostumamos...
Acostumamos a tanta coisa
Acostumamos com um relacionamento, só pelo status de dizer: “eu o tenho”
Acostumamos a não ver, a não olhar para os lados
Não ver as árvores e borboletas que estão nas margens de nossa trilha
A não ver o menino de rua, malabarista de farol e catador de papelão
Acostumamos a ouvir telejornais, rádios e MP3s
Deixamos de ouvir o canto dos pássaros, as ondas do mar batendo e o violão do amigo
Não ouvimos o jovem desesperado, o adulto drogado, o filho desesperançado
Acostumamos a usar remédios para acordar, pílulas para dormir, pastilhas para alegrar
Acostumamos a não sentir a brisa no rosto, a umidade da terra nos pés e o corpo do outro
Acostumamos a ficar longe, a nos proteger, a ficar frios e rígidos
Acostumamos a fugir daquele que vem adiante, desviar o olhar, fingir que olhamos o relógio
Acostumamos a ignorar o outro, e entre tantas coisas
Nossa alma, bela alma, acorda dia a dia esgotada
Desacreditada de nós

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Cyberderme- o sensível e a experimentação do mundo cibernético

A casa está em reforma, e meu quarto estaria sombrio se não fosse a luz digitalizada desse notebook. O mundo lá fora está frio, e o cobertor daqui de casa está tão aconchegante, vou ficar mesmo é no conforto!

Há um tempo atrás falei de corpo, e acho q vou continuar a falar de corpo. É um assunto tão interessante! Corpo-cristão, corpo-máquina, corpo-ecologia, corpo-indivíduo, corpo-social, corpo-mundo! Olhe que bonito: nós é que decidimos a extensão de nossos corpos, nós podemos decidir, em parte, onde a experiência de nosso sensível se faz.
Podemos ter um corpo estritamente biológico, um corpo fechado em si e o sentido é apenas aquilo que desencadeia uma descarga neuronal dos gânglios sensoriais aos lobos cerebrais, podemos ter esse corpo de orgãos, vasos e sistemas.
Podemos ter um corpo estritamente social, um corpo fechado não em suas estimulações mais materializadas, um corpo que pode estar cego para sua biologia, porém possui tamanha sensibilidade para questões da grupalidade, da política e do coletivo. Um corpo de rede, mas não necessariamente um corpo em rede, pois seu sensível faz ele aderir completamente à rede, mas não diferencia dela. Extrema sensibilidade e extrema insensibilidade lado a lado.
Horas e horas poderiam ser utilizadas para a discussão desses corpos aparentemente dissociados, porém eles estão tão imbricados na corporiedade como várias outras formas corporais. Nós urdimos e tecemos esse corpo, não temos uma linha, apenas um novelo e um modo de tecer, somos uma pluralidade de fios entrelaçados, que podem desfiar ou engrossar em alguns pontos da história.
Claro que é difícil imaginar um ser cibernético na Antiguidade, na Idade Média ou mesmo nos início da Idade Moderna. O Cyberespaço só costuma a ser pensado depois que inventamos o computador e a internet, porém o imaginário humano era recheado pelo ideário de um espaço de circulação de informações, pessoas, conhecimentos. A Biblioteca de Babel do argentino Jorge Luis Borges é um exemplo literário do homem em imaginar um espaço de fluxos de conhecimento e saberes.
As fantasias do cybercampo estavam começando a ser exploradas, e o imaginário explode numa finidade que se multiplica a cada segundo, o conhecimento, o saber, o sensível e a vida vem entrando numa dimensão praticamente sem volta. O Campo de experimentações se avoluma tanto que para permanecermos insensíveis às mudanças, somente isolados do mundo, e isto é uma força tremenda que é gasta para se afastar.
Várias barreiras são quebradas nesse mundo, o limite entre nossas personalidades humanas e a interface do Orkut, Twitter e outros sites de relacionamentos praticamente desmoronam, o paradigma público-privado também sofre altas transformações. E este é um novo mundo que passa a ser sensível para nossos olhos, nossos ossos, nossa pele.
Tal como a realidade psíquica tem sua dificuldade de encontrar um fato imutável que encontre um porto seguro que chegue a dizer isto é a Verdade, isto é o Real, a realidade cybernética apesar de ampliar nosso sensível, que eu ouso dizer de um devir-bits, um devir-telemático, ela tem suas dificuldades, seus problemas, pois ela também é tão variável e frágil quanto a psique.
Uma cyberpsique estaria aflorando nos dias atuais? Haverá um fluxo daquela subjetividade íntima com estes relâmpagos estrondosos do cybercampo?
Entre os mais jovens já percebemos uma fusão daqueles nossos corpos com os instrumentos da telemática: computadores, celulares, iphones, ipods, e seus universos, a internet, sites de relacionamento, blogs e fotologs. A velocidade desses jovens é supersônica, o que levamos horas para aprender, em dois cliques eles conseguem alcançar a resposta.
Nossos corpos são cheios de neurônios, vasos, orgãos, e os corpos desses jovens vêm carregados de chips e fibras óticas, seu sensível consegue se estender até o outro lado do mundo em busca de novas experiências, experiências virtuais tão reais quanto qualquer outra, porém essa longa distância de seu sensível poderia torná-los um sujeito longe-de-si? Eles têm um mundo gigante a ser explorado, mas será que esse mundo não lhe permitirá mais conhecer o mundo que está em sua vizinhança? Ou mesmo aquele mundo que muitos chamamos de sala e de família?

E não sei quanto a vocês, mas agora o único mundo que quero ver, mesmo nesse frio, é minha loba predileta =D
Abraços a todos!

sábado, 11 de julho de 2009

Corpos políticos! ... ou será uma política de corpos?

Têm-se falado muito nesta década sobre biotecnologia, esportes e saúde. Muitos dizem que hoje aquele corpo carnudo renegado no cristianismo e na idade média está voltando a ocupar um espaço de destaque na contemporaniedade. A quantidade de teses médicas de cunho biológico sobre o corpo, ou melhor dizendo, sobre esses orgãos do corpo vem crescendo dia a dia. E graças à hipermedia o conhecimento fabricado em uma universidade de Londres percorre extensas porções térreas, e até mesmo oceânicas, para chegar em um microcomputador que pode estar dentro de um instituto de pesquisa na África, numa faculdade da Índia, ou mesmo encontramos essa informação rodeando o cybernauta brasileiro.
Nunca tivemos acesso ao conhecimento tão rapidamente, e nunca fomos tão escravos dele quanto hoje. Podemos perceber que hoje, na sociedade dos autônomos , a autonomia garantida pelo conhecimento é uma faixada. Os especialistas das situações cotidianas se fazem necessários numa sociedade em que seus (des)integrantes são dominados pela insegurança dos vínculos socias, empregatícios e afetivos. A mãe há 5 décadas átras não tinha essa autonomia de cuidar de sua criança como nós temos hoje, ela não procurava uma nutricionista, um fisioterapeuta e uma série de bacharéis em meio a uma infinidade de ramos da saúde, o máximo em que esta mãe procurava era o pediatra da família. E a mãe do século XXI, o que ela faz? Dinâmicas e superativas nos ramos social e com altas pretensões em sua carreira, esta mulher tem uma autonomia a qual lhe permite a decisão, a escolha e o gerenciamento de sua vida que há 5 décadas só viamos os germes do movimento feminista, porém cada vez são mais procurados especialistas em sua vida, o endocrinonolgista pelos pneus laterais (exceto no caso daquelas que, sem medo e com poder aquisitivo, enfrentam o cirurgião plástico), o clínico geral para as freqüentes sinusites, o psicólogo para incentivá-la e tentar explicar porque os homens ficam pavorizados ao ver uma mulher madura, pois a maioria vive na infantilidade mental, e o personal coaching que vai treiná-la a obter altos cargos na empresa que atua, e claro além desses, ao invés de recorrer à antiga tradição oral que passa os cuidados e as minúcias dos bebês de mãe para filha, ela procura um profissional que teve mestrado, se não puder arcar com um doutor, das enfermidades e do modo correto de cuidar da criança e do adolescente.
É errado fazer isso? Não. Mas é esse o meio correto? Não necessariamente. E teria um meio correto de guiar a vida? Meios corretos, vidas ascéticas e todo tipo de preparação é um caminho para obter algo. Por exemplo, qual seria, teimando a um reducionismo fatalístico, o caminho correto para o budista? O budista pretende entrar em nirvana, um estado, ou melhor dizendo, uma transição que nos dá paz interior, um estado de relaxamento do corpo e da mente, e de comunhão com a vida. Porque prefiro dizer que nirvana é uma transição e não um estado? A paz não é apenas um fenomêno interno, ele depende da relação, do espaço que se forma entre aquilo que chamamos de si e o mundo, e o mundo é o Outro, a vida que interpassa e transpassa por nossas dimensões, seja material, linguística ou emocional entre tantas. E seu caminho passa pela corporeidade, por essa mistura de orgãos, sejam biológicos como a pele ou espirituais como os chakras, em um tal engendramento que o correto é obter uma comuna de paz, se seus poros denotam medo, tensão ou algum tipo de pretensão, seu corpo fecha, sua energia estanca, seus músculos contraem, formando blocos, couraças nesse corpo, negando o movimento deste, e em que mundo alguém enjaulado está em paz? Já se viu algum acorrentado, algum enforcado relaxado? E claro, ele está muito menos em paz.
Agora o caminho correto de um militar é diferente do caminho búdico, enquanto este quer comungar com a natureza, o militar quer colonizar, dominar a natureza e a vida, então seu primeiro movimento não é em sentido de um corpo vivo, mas de um corpo arma, a corporeidade é mero instrumento para dominação, é um corpo semi-esgotado, suas possibilidades desvribaram-se, apenas restou a guerra percorrendo suas veias, esse corpo não é o corpo de prazeres ou de desejos, esse é o corpo do aniquilamento. Para dominar algo ou alguém, você deve abdicar de uma coisa preciosa e frágil como uma flor perto de um vulcão, o vulcão é nossa potência de destruição, e a frágil flor repousada no leito rochoso é nada menos, nada mais que a vida. Para dominar o vulcão tem que explodir, deve haver algum desequílibrio, seja sísmico, seja nas concentrações rochosas do magma, ou tirando das metáforas, algo deve se passar seja nesse espaço que reservamos a vida interior, seja no Campo da existência, e essa lava fluente pulveriza em segundos a pequena e mirrada flor. A flor só cresce num ambiente de celebração, e isto não quer dizer que a vida só valha nos momentos de alegria como gostariamos de supor, a celebração que digo não é uma festa egóica de ressaltar nossas conquistas, nosso novo cargo da empresa ou nosso meio século de vida, celebrar não é apenas da dimensão positiva da vida. Celebra-se a dor, a tristeza, mas isso não é apologia do sofrimento ou da depressão. Aquele que ouve não com os tímpanos e o lobo lateral da cabeça, mas sim com o bater do coração sabe que a dor e a tristeza precedem uma transformação, e se é grato por elas, esse é o sentido de celebrar, mas aquele que se afoga na mágoa e no ressentimento é um espírito lamentável, ao invés de cultivar o desapego que lhe garante uma paz, finca com dentes e garras em seu objeto de tortura.
O militar nega seu corpo, nega sua vida, o que lhe resta é apenas um espaço dedicado ao culto de ideais de seus generais e nações. O militar cumpre um papel de missionário, um sacerdote, levando os destrutivos aspectos de sua cultura para outros, sejam indefesos ou não. E nós, que estamos tão longe dessa dimensão armamentista, de conflitos internacionais, e quem sabe jamais teríamos a coragem de pegar num rifle de guerra, seríamos esses militares, fanáticos de seus generais, seus sacerdotes?

Final da parte I
em breve continuarei...

Quanto mais se busca abordar um assunto, se tateia essa bordas que estão lá na extremidade que delimita o saber e o não-saber. As pessoas não falam do que sabem, falam apenas naquilo que está no limite de sua mente e seu coração, então qualquer coisa que for ler, ou ouvir, seja como um rio, inunde-se das palavras e idéias e e deixe-as seguir a correnteza, seja indomável.

abraços a todos

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Por uma vida menor

Temos uma vida demasiadamente longa, extensa, intensa. Nossas vidas são demasiadamente neuróticas, obsessivas e psicóticas. Reescrevemos a cada momento a novela familiar do conflito edipidiano, reescrevemos ,todavia, nossas vidas com a mesma pena, com a mesma caneta, a mesma cor e o mesmo estilo que nos fizeram ser quem somos.
A vida é monótona, tudo que temos para falar sobre ela é uma cor, ou outra senão, em nossa febre de estabelecer limites, congruências, histórias romancescas, das que tem começo, meio e fim. Estamos permeados, estamos em conflito, estamos. Estamos aqui no campo, onde as coisas ocorrem, campo de conflitos edipidianos, aflições narcísicas, angústias e fragilidades. Somos inseguros, não temos mais platôs que nos deêm segurança, na verdade nunca tivemos, pois toda segurança foi uma construção humana, e o oceano da existência fez as bases dos platôs erodirem, acarretando seu colapso. Mesmo que construamos uma nova torre para refugiarmos dessa solene vida, a pertinência da mesma é apenas quanto à sua duração, séculos...anos...dias?
O homem não entende, sempre quis controlar, sempre quis destruir, sua vida sempre foi regida pelo medo, foi regida por sua neurose, sua desconfiança, sua traição. O homem é mais fiel à um tijolo de barro do que a si mesmo. Sua frágil vida é renegada em prol de uma frágil estatueta, um ídolo de barro.
E a vida que carrega é tão frágil, quem dirá da vontade que a sustenta? Uma vontade tão, senão mais frágil. Somos condenados a morrer ao mínimo choque, no primeiro confronto nossas energias se esvaem, no segundo confronto o ar que pulsa em nós se enclausura, o peito aperta, afunila, e por fim, num terceiro encontro já estamos esgotados e a mais sutil brisa arranca de nós nosso último suspiro. O que fazer dessa frágil vida? Buscamos um resgate dessa vontade, simples assim? Como se bastasse isso para resolver? Vida e vontade estão entrelaçados, e vivemos no interstício de ambas, nos esgueiramos pelos corredores, pois ficar totalmente exposto a qualquer uma que seja nos levaria a loucura, é no entre as coisas que somos potentes, dentro delas nós só repetimos a mesma lógica que nos torna aquilo que já somos.
Mas adoramos essa (im)potência! Queremos repetir a história da novela, a fábula dos contos de fadas, não importa se os tempos mudaram, não importa se o campo mudou, queremos fazer parte do elenco da gorda felicidade, unânime, pesada, obliterante. Um dos destinos mais perniciosos para o homem é o de buscar sua felicidade. Essa felicidade que vem de fora e age como um peso, achatando o homem, esmagando o homem, e nosso sadismo nos mantém nesse processo de trituração da integridade, felicidade é uma péssima questão. A potência que essa corrida à beatitude nos oferece é sua própria negação. Negavamos a vida em busca de um sentido superior, em nome de uma entidade supra-sensível, transcendental, e hoje nos despotencializamos pela substrato dominante da felicidade.
O homem traí a si mesmo quando busca uma melhora de si, fica preso à tradição que o encarcera, sendo marionete de um jogo de forças, amarrando fimemente sua próprias cordas com as quais será manipulado pelos deuses da ciência, da economia e do marketing, o homem traí a si quando adere a essa lógica de dominação, sua vida é grande, gorda, enorme, cheia de fast food, cheia de junk food dados pelos mestres que o manipulam, deixam-se levar pelos movimentos desses gigantes com a falsa promessa de segurança, esquecem que esses gigantes requerem sacrifícios, que esses gigantes o engolirão mais cedo ou mais tarde, e a segurança prometida foi uma farsa.
Um homem menor, uma vida menor, um agenciamento minoritário que não faça de seus predadores seus deuses, à vida tem sido injetado coisas demais, requer-se agora um esvaziamento da vida, um esvaziamento do homem, para quem sabe assim nos afunilar e poder sair das correntes que nos prendiam, sendo menores, estamos correndo mais riscos, estamos mais em contato com a dor, a angústia e a aflição, somos pequenos e corremos o risco de sermos esmagados pelos gigantes, porém podemos ter mais margem de manobra, temos mais espaços para esgueirarmos, podemos viver entre as coisas que os gigantes não alcançam por serem demasiadamente grandes, menores podemos virar pontos que os gigantes já não mais vêem, e seus tentáculos já não nos alcançarão mais.
Sair do já enjoado romance da novela familiar e partir para uma inusitada permuta de sentidos, de estilos, sermos mais estranhos, mais temperantes não porque nos dizem, mas porque há uma sabedoria que faz do pequeno, miúdo, frágil um ser que afirma essa vida de seu modo singular, e assim demonstra sua força, em revés os gigantes que se utilizam de seus tentáculos de controle e dominação já provaram sua fraqueza. Sejamos um multidão de minoritários, uma multidão de Davis que não permitam às máquinas colossais engendrarem o homem e a vida em seu mecanismo de esmigalhamento.
Uma vida menor, mas pelo menos, VIDA!

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Curto espaço de um tempo perdido

As horas passam, o sol cai e a noite entra em todo seu vigor em nossas vidas.
O chão treme a cada vez que a Terra gira, lagos, rios e mares vibram, ondulam conforme o movimento celeste.
Dança de astros! Fluxo planetário, uma rajada de acontecimentos, luzes, explosões, radiações!
E debaixo das águas do oceano, um mar pulsante de lava, ascendendo e à superfície e voltando ao seu centro, coração de magma, pulsões efervescentes, rizomáticas, multi-arteriais.
Em sua crosta, alguns caminhos, alguns túneis que exalam seu calor, seu deleite, sua criação e sua destruição, vulcões, erupções renovando a pele que recobre este mundo, nova pele sobre pele, e a baixa pele volta aos poucos, lentamente a seu interior, derrete, vira sangue rochoso, e sai novamente. Dinamismo sem igual, singular em seu estágio, em sua condição.
Aqui vivemos, nesta criatura chamada Terra, essa multi, toti, trans-entidade, tão viva como o menor dos insetos, conceber nossa vida sem ela, isso é de tamanha impossibilidade, pois apenas aqui tivemos a singularidade de sermos eu e você, quem o somos hoje.
Eu e você, você e eu, frutos desse ventre arbóreo e rochoso, tuas águas nos sustentam e tuas riquezas fazem nosso progresso, essa mãe volátil a seu tempo. Sinto o chão vibrar em uníssono, não só chão. Vibra terra, vibra mar, vibra rocha, vibra floresta, vibra animal, vibra humano. Tudo vibrando, tudo a seu tempo, de tão rápido em um singelo espaço que se foi, já vibrou, foi-se indo o tempo. As máquinas começaram a vibrar, as grandes fornalhas começaram a vibrar, a toxicidade começou a vibrar, o desencontro, a intriga, a ignorância, a insensibilidade começaram a vibrar...
Os animais começaram a ofegar, foram desvibrando, não são mais animais, são artifícios de cozinha, destino abate. As árvores começaram a secar, foram desvibrando, não são mais árvores, são madeira, lenha, encosto, destino corte. Os peixes começaram a sufocar, foram desvibrando, são ossadas no mar, destino podridão.
Mundo de ossos e troncos partidos, terra desolado, deserto sem sol, frio e negro, vibra morte, vibra esquecimento. Falta, falta vida, falta ar, falta água, falta. Grandes ruínas do homem aqui jazem, já não há sequer um crânio vivo, tudo exterminado, tudo em estado de desvibramento, desmembramento.
O planeta desvibrou, seu sangue rochoso foi endurecendo, seu fluxo comprometido, suas aberturas fechadas por lixo, suas paisagens secaram, arroxeou-se, roxo dor, roxo solidão, roxo sem vida. De longe o planeta aquarela perdeu suas cores, perdeu seus encantos, perdeu sua vida.
Planeta aquarela desvibrou, desmanchou, e todo seu registro desapareceu na imensidão do espaço.
Já não houve mais tempo, tempo se perdeu, a vida se perdeu, o humano se perdeu, o curto espaço do vibrar de um planeta cessou, vida, alegria e loucuras cessaram, não há mais registro.
Planeta aquarela cessou sua existência há pouco tempo, aqui do planeta Terra quem poderia sequer saber de tal planeta, tão colorido e vibrante como o nosso, mas com um trágico destino.
A loucura de um aquareliano passa por aqui, está a cessar, a desvibrar, mas ainda há fracos resquícios de sua existência, loucura que revela mundo esquecido, loucura que tenta reaver a vida perdida, loucura que deseja virar as areias do tempo, revoltar-se ao tempo, voltar-se no tempo.
Loucura que permitiu, por um instante, a volta das vozes caladas em suas tumbas, vozes que gritam, que clamam, que choram o tempo perdido, as horas passadas, as noites sem sol. Lástimas de suas tumbas monocromáticas, soterrados em um lugar que não há nome, soterrados no esquecimento.
Desvibraram-se as vozes, desvibrou-se o louco, o silêncio dos mortos restou.
Nada ficou

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Aos anjos nesta terra

É engraçado os dias atuais, mas não um engraçado cômico... é um engraçado quase que mórbido.
O que estamos fazendo de nossos dias, de nossas horas, de nossos momentos? A cada dia que passa eu faço a questão - o que estamos investido em nossas vidas, e o que desinvestimos em consequência disso?
A gente pode fazer um apanhado geral do contexto que estamos vivendo, a pós-modernidade, os costumes de nossa época e nossos modos de se relacionar, mas isso vou fazer de um modo bem corrido, então perdoem o risco de ser simples demais sobre nossa situação.
Um enunciado que tem muito aparecido nestes últimos tempos é que vivemos numa sociedade narcísica, com um profundo investimento no eu, nisso que chamamos de si, e existe uma angústia, uma insegurança, e porque não dizer de um certo melindramento, perante o outro, o diferente. Para quem estiver mais interessado na questão da sociedade narcísica, eu aconselho a ler A cultura do narcisismo de Christopher Lasch para um futuro aprofundamento. Então, segundo esse autor, na cultura que ele analisou, que é a cultura norte-americana de décadas atrás, encontrou-se um padrão de sociabilidade que desinvestia nas relações com o outro e a dimensão pública, passando a um adensamento dos atos, das práticas e dos discursos sobre o indivíduo e a dimensão privada da vida. O que nos interessa isso? Interessa saber que apesar de isso se dar décadas atrás, ainda encontramos bastantes ressonâncias disso nos dias de hoje, no nosso cotidiano.
E outro texto que pode servir para ajudar nessa contextualização é A sociedade do espetáculo de Guy Debord, nele encontramos elementos que nos dizem um pouco sobre essa nossa obsessão pelas vidas e minuciosidades dos atores do espetáculo, nossas celebridades, e como acabamos usando elas como modelos em nosso processo de construção de identidades.
É referente a essas duas correntes de pensamentos que eu quero articular para pararmos um pouco e refletir, novamente, o que estamos fazendo de nós mesmos?
Quanto tempo dedicamos a decorar, estudar minuciosamente a vida de nossas celebridades, aquelas que aparecem na televisão, no cinema, nos estádios de futebol, nos shows de música, e queremos tornar-mo-nos elas, incorporar seu estilo, seu modo de vida, seus hábitos.
Quanto tempo dedicamos ao culto de um corpo perfeito, sob o modelo, que por acaso é baseado na exceção, de nossas celebridades, e nos tornamos infelizes por não estar dentro da norma, das regras e dietas do corpo?
E para cultivar esse corpo, esse estilo de vida, quantas vezes não deixamos de lado amigos, mães e pais, irmãos, filhos? O que deixamos de lado, desinvestimos para estar dentro desses modelos que se baseiam na exceção?
Eu quero lhes contar a história de uma mulher que mudou milhares de vidas. E por que digo contar ao invés de lembrá-los? Provavelmente ninguém ouviu sobre ela, ela partiu desse mundo há pouco mais de um ano, dia 12 de maio de 2008 seu espírito deixou seu corpo de 98 anos. Um dia depois de sua morte, um grande jornal nosso e de renome publicou em um breve artigo:
“Morreu ontem em Varsóvia, aos 98 anos, Irena Sendler, que salvou milhares de crianças judias durante a ocupação nazista da Polônia. Entre 1940 e 1943 Irena, que era assistente social, tirou 2500 crianças do Gueto de Varsóvia. Ela chegou a ser presa e torturada pela Gestapo em 1943, mas nunca revelou os nomes das crianças que salvou”.
E podemos dizer na ponta da língua qual o número do sapato de nossa celebridade favorita, mas não sabemos nada desses verdadeiros anjos que caminham entre nós e que dedicam suas vidas em prol de um ideal de fraternidade e amor. Uma frase que marca muito dessa mulher é sua explicação de porque ajudou essas crianças, judias ou não, que viviam nas vielas escuras de Varsóvia.
"A razão pela qual resgatei as crianças tem origem no meu lar, na minha infância. Fui educada na crença de que uma pessoa necessitada deve ser ajudada com o coração, sem importar a sua religião ou nacionalidade." - Irena Sendler
E nos dias atuais, o que fazemos? Ficamos cada vez mais absorvidos com a paranóia do fitness e das dietas, ficamos nessa busca obsessiva do corpo perfeito e da saúde, ficamos tão centrados nessas atividades pra quê? O que ganhamos com isso?
E pensar que antigamente, lá na época dos gregos, existiam os exercícios, treinamentos do corpo e da mente, mas essas práticas não eram a finalidade, mas o meio para se obter um determinado objetivo, que era ,digamos assim, sendo simplistas mesmos, um amor à Pólis, era uma forma de produção de estilos de vida que muitas vezes eram discordantes da hegemonia dos hábitos dominantes.
Hoje, essas práticas e exercícios tornaram-se finalidade, aquilo que era destinado à Pólis, à um outro, à uma certa alteridade, torna-se direcionado ao corpo, ao indivíduo, e agora são destinadas mais para a normalização da vida, um adestramento do corpo e dos estilos de vida à norma dominante do que um potencial de resistência cultural.
E agora?
Nesse adestramento do corpo sofremos, sofremos porque acreditamos hoje que nossos problemas se dão hoje por uma falta de responsabilidade perante a rotina e as práticas diárias que agem sobre o corpo. Aconselho a ler o que o professor do Instituto de Medicina Social da Uerj Francisco Ortega fala sobre esse tema em seu artigo Práticas de ascese corporal e constituição de bioidentidades. E esse adestramento de certa forma nos torna insensíveis a esse outro, quantas vezes pensamos nos necessitados e em como podemos ajudá-los, ou melhor, quando agimos para ajudar, como o fez Irena Sendler?
Podemos dizer que os dias atuais são bem mais tranquilos, e dispomos de muito mais conhecimentos, técnicas e recursos do que essa mulher fez durante a época do nazismo, mas apesar da abundância que temos à nossa disposição vivemos de forma mesquinha, pois não só negamos o outro, como perdemos o potencial das relações com esse outro, o que poderiamos ter construido com isso. Ao negar o outro, acabamos ficando mais pobres e não vivemos numa plenitude que poderia ser mais frutífera.
Eu espero que você não esteja confuso pelas voltas e voltas que dei até então, eu queria apenas mostrar o quanto acabamos vivendo num mundo que cada vez mais exclui o outro e que a gente se esquece que podemos investir em outra relação com o mundo, eu trouxe o exemplo de Irena Sendler, porém existem muitos outros exemplos que não são divulgados pelos nossos meios de comunicação, ao menos não com tamanha importância, e que esses exemplos nos fazem lembrar que é possível ser diferente e de fazer uma mudança, ter uma singularidade que inspire, torne-se uma luz que estimule outros a ver a vida de outra maneira.
Termino aqui com uma frase de Marcel Proust, e espero que ajude a reflexão, e não a complique ainda mais
"A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, e sim em ter novos olhos" - Marcel Proust

quarta-feira, 13 de maio de 2009

A desmanchar

Há muito tempo tenho investido em uma trama, uma conjectura de fios que articulam-se e rearticulam-se damesma forma. Uma produção industrial, artesional de um estilo de vida que já indica seu próprio esgotamento. Lembro-me de Penélope, aquela de Ulisses, que a cada dia, esperando seu ser amado, ficava a fiar uma manta à seu velho sogro, mas Ulisses não voltava, e toda noite desfiava o tecido, para que dia seguinte recomeça-se a produzir o mesmo. Como alguém fica anos e anos da sua vida, numa situação drenante, entediante, reproduzindo, reencenando a peça do cotidiano, a espera de príncipes encantados, de promoções e elogios que podem vir a nunca serem concretizados? Por quanto tempos somos essas Penélopes da vida, restituindo, reterritorializando a mesma trama? Noucateamos a nós mesmo, esgotamos nossas forças físicas, mentais e emocionais, impedimos o fluxo da criatividade para manter as rígidas margens que nos cercam onde estão, e nisso o que está dentro, que a gente tenta reprimir, delimitar, começa a ficar turbulento. Essa força, essa ânsia em nós, de nós, trans-nós, fica fervilhando, ela não aguenta o maquinismo da produção em série, não aguenta que os fios se entrelacem sempre do mesmo jeito, ela desperta uma necessidade de remanejamento, rearticulação das tramas, um fazer diferente, um fazer que se desterritorializa, o nós e os nós devem ser desfeitos para que novos possam ser pensados.
Precisamos desmanchar a vida constituida em nossa fetichização e tomar rumo, desmanchar para que novas formas de interação sejam feitas, sair da semiotização que nos é dada como é certa, parar de achar que tudo é ou tem que ser uma re(a)presentação do passado. Precisamos fazer uma força para desmanchar a trama de nossas vidas. Mas por que desfazer aquilo que já está tão bem fundamentado, que nos é conveniente apesar de não nos gratificar? Dá muito trabalho mudar, um trabalho psíquico enorme, mas se não o fizermos, para cairmos no risco de uma extrema alienação, dum fetichismo obsessivo e, claro, às nossas pequenas têndencias fascistas são dois tempos, estamos numa corda bamba, e se não prestarmos atenção, caímos no chão com a cara estampada no nosso pequeno estilo de vida, não conseguindo ver outros modos de viver, de interpretar e significar. É difícil para alguém com a cara atolada na lama olhar pros lados.
Fetiche, alienação e fascismo, esses três enunciados andam lado a lado. O fetiche é a fixação de uma semiótica, uma visão de mundo, um processo de significação-mundo, no fetiche somos seduzidos, hipnotizados a esse determinado objeto, há uma extrema necessidade de posse, seja fisicamente, ou seja uma dominação no campo mental, é como se colocássemos uma viseira em nós, para que não seja possível enxergar os outros lados da história, cavalos de corrida que obedecem a seu cocheiro, aquele poder que temos de fazer, de transformar é inibido em prol a uma ordem superior, o nosso feito, nosso poder-fazer já não é mais de nossa autoria, mas da autoria de nosso objeto fetichizado, este exerce um poder sobre nós que os efeitos e causas mal poderiam ser abordados nesse texto, e essa viseira que nós e que nos é colocada advém junto com a nossa alienação, ao deixar de ver outros mundos, outras óticas, o que nos resta? Resta acreditar que aquilo que está sendo feito sempre foi assim, numa lógica de territorialização-esquecimento, funciona assim, nós que somos seres que temos um poder sobre o fazer na realidade articulamos os elementos desta para criar uma concepção de vida, criamos um modo de interagir com esta realidade, mas o que acontece aqui? Acontece que ao criarmos esses estilos de vida, nós criamos territórios ondes os elementos da realidade se encontram, e os elementos que não eram úteis ou atrapalhavam a significação desse estilo de vida são marginalizados, negados e por fim esquecidos, tendemos a esquecer os processos e as forças que nos articularam a ser como somos, e se ficamos imersos na inconsciência, continuamos a ser agentes passivos dessas forças que atuam sobre nós e continuamos na alienação. E na alienação também encontramos a repulsa e o dogmatismo que ajudam a construir os pequenos fascismos diários que praticamos. E como esses fascismos cotidianos se apresentam? Sobre várias formas como preconceito, posturas irreflexivas, posições de dominação e qualquer ato, mesmo na conduta entre amigos e amantes, que seja contra o diálogo e a liberdade subjetiva, ser fascista é ser contra desterritorialização da vida em prol de novas articulações, é não perceber que na existência as coisas não sao isso "ou" aquilo, as coisas podem ser isso "E" podem ser aquilo, uma visão de mundo não dispensa a outra, mesmo a científica e a religiosa.
Desinvestir é a peça em questão no desmanchar, eu desmancho porque eu não quero mais investir nessa relação, nesse trabalho, nesse tipo de vida que venho levado, eu desmancho porque quero coisas diferentes, quero sair daquelas quatro paredes e aquele teto feito por mim e meus ancestrais que dizem nos proteger do lado destrutivo da vida, eu desmancho essa minha proteção porque eu quero ver a vida, e não mais sobreviver, quero estar imerso na vida.
Eu desmancho para viver.

domingo, 19 de abril de 2009

A noite de outono chegou

Entre os aromas à mesa, uma grande panela


Uma panela prateada sobre o fogo


Em seu interior, a mistura de queijos borbulhando


Aroma de ementhel, gruyere e parmesão


Invadindo minhas narinas e criando uma tempestade de sabores


O volátil vinho branco já se dissipa no ar


Causando nesse cômodo à luz de velas


O mais encantador efeito


Ao lado dos castiçais, os mais variados pães


E claro, não pode se faltar um vinho do porto pra acompanhar


Em uma bandeja opaca descansam as frutas


E essa mistura de luzes, odores e sombras


É o que torna o encontro mais agradável


Somente uma peça falta nesse conjunto


E esta peça é você meu anjo


Por mais que minhas palavras tentem negar


O que eu sinto meu coração não consegue esconder


Ele grita mais alto que o som de meus pulmões


Posso inspirar com toda força, minha voz se perde


Não consigo negar você, não consigo me segura com você


A cada segundo em sua presença, eu temo


Pois percorre em minhas veias, uma pulsão, uma força


E quero te agarrar no mesmo instante, mesmo que a situação não permita


Fazer de teu peito meu recanto, soçobrar em você


Ouvir cada som que emerge de seus lábios


E ver seu sorriso metalizado


Com você eu perco minha razão, e mesmo assim a supero


Pois se a razão é ficar sem você, prefiro ser um doido varrido


E na minha loucura vejo minha felicidade, e uma razão que transcende


Para viver as lamúrias da cabeça, prefiro a canção do coração


Me vem uma esperança ao estar com você


Quase não acredito no que vou falar


Mas a você, com toda minha seriedade me entregaria


Dizer eu te amo pra você


Ao acordar, ao dormir e toda vez que der vontade


Porque acho que nunca senti algo tão assim


Intenso, mas sutil, e me vem essa confiança


Que eu posso submergir em você


Ser romântico mais uma vez


E ter o prazer de jantar com você


Nessa ceia de outono


Com todo amor


Que eu venha a te amar...