domingo, 29 de novembro de 2009

Passos acelerados

Passos cambaleantes,
Passos ziguezagueantes,
Passos acelerados,
Eu passo, não
Algo passa, eu não passo
Fica, estagna, endurece - quem sabe passa
Custa a passar
Desce rasgando a garganta - passa arranhando
Passa de fora para o fora que me constitui
Passaria a dor, mas não passa mais - não digiro mais
Coisas passam, eu fico - estou preso
Instintos passam, sensações passam - palavras não
Tudo repassa, aos meus passos
Passa paisagem, passa homem, passa animal -passos a passo
Tempo não passa, arrasa
É cruel com nossos passos - é cru com o passar
Passa o passo a passo, e acelera
O tempo continua a passar cru,
Mas você anda passos perversos
Passos apressados de promessas
Passos ao nada que te carrega

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Paisagens humanas

Algo acontece nesse mundo. Algo demasiadamente grande.
Ao certo nada se pode se dizer, nem ele nos dizer.
Tão grande e enigmático que nondem sua presença.
Poderia pensar num acontecimento, num devir, ou mesmo num afecto.
É não. É algo que não é além, mas nem por isso aquém.
É de uma qualidade, uma presença.
Isto! Uma presença.
Não é um fantasma virtual, nem uma massa perceptiva.
Esta presença ainda não é formulada, não é um conceito.
Precisa respirar, antes que se torne algo.
Precisa encorpar-se de mundo, incorporar-se ao mundo.
É de um nível, uma ordem que não é humana, ou divina, ou animal.
Mas a presença tem a ver com um algo. Algo que é Outro.
Não é só Outro, mas é Corpo também, e Paisagem!
E seus duplos. Seus espelhos.
Não é um campo verdejante ao pôr-do-sol,
em meados da primavera que constitui a Paisagem.
Nem mesmo são as células que constituem um Corpo,
ou diferenças que se faz um Outro.
Arte em parte apresenta ecos da Paisagem
existe um quê de conservar em si mesma que é comum a ambas.
Corpo e Outro se constituem e restituem no encontro com o mesmo.
Nem um, nem outro encarnam objetos que se sustentam em si,
o Eu não se sustenta em si, mas se sustenta em algo, numa Paisagem.
E a presença estabelece uma relação estranha com estes três elementos.
Ela pende para um, desvia a atenção costumeira, e a foca na rachadura por vir.
Não de surpreender, mas ela intensifica a dobra até seu rompimento,
a comprime para extrair seu máximo, não em qualidade, não em produtividade,
mas seu pico de potência, seu último grito antes do esgarçamento,
que pode ser o mais oco possível, como ser uma lâmina afiada,
navalha de nosso ser. Provoca uma ferida em nossos olhos.
Machucados a luz adentra, chamusca e cega de tanta luz.
O Corpo pesa. O Corpo é obeso, sedentário, e não consegue lidar.
Não é o corpo que vai para academia praticar musculação ou exercícios aeróbicos,
mas é a este Corpo a quem falta nossas artes circenses, a quem falta as acrobacias de afetos.
Sua visão, sua atenção, demasiadamente focadas na Paisagem. Nas Paisagens humanas.
Viu o homem virar uma arte ao avesso, aquilo mais entranhoso foi jogado para a Paisagem.
E tudo virar uma tela, uma mega escultura global e uníssona. E a Paisagem assume seu duplo mais perverso.
Desviada de sua função de compor com, ela se torna sequestrador.
Sequestra o olhar, captura o Corpo e aprisiona o Outro.
O homem foi capturado por sua imagem e semelhança.
Mas o jogo ainda não terminou. Esta presença está lá.
Ali na vizinhança. Ela é grande demais para ser apercebida.
E não são videntes ou iluminados que vêem ela,
mas aqueles que tiveram sua visão fendida,
aqueles que foram tocados pela graça e pelos horrores da presença.
E não foram eleitos, simplesmente estavam lá.

sábado, 7 de novembro de 2009

O império do Reciclar ou...

Dias atuais, todos já sabem a anamnese do planeta. Rios poluídos até sua última gota, pássaros caindo dos céus feito bombas de gás carbônico, das plantas resta um verde esfumaçado quase cinza.

A cidade das luzes, sufocada por uma densa névoa. Seus moradores, pálidos e colapsados como sua cidade. Já aderiram até seu último suspiro a esta paisagem feita de máquinas, gases e lixo tóxico que eles mesmos contruíram. Sujeitos? Não...

A cidade perdeu sua fábula. Se antes plantas, rochas e animais podiam se comunicar conosco, hoje são as máquinas que se comunicam por nós. E só entre elas. É ônibus que fala com farol, briga com os carros e enamora-se da caminhonete. Na indústria um robo fala com o outro, enquanto naquele canto silencioso, lá estãos seres que já compõem paisagem. Mas só a paisagem.

Quem somos nós que movimentamos sem brilho, cantamos sem paixão, olhamos sem alma?
Condenados a essa cinzetude? Mas quem nos encarcerou nesses cantos e recantos desse homem-máquina?

Até uma rocha que rola do topo da montanha para se espatifar possui uma qualidade de graça que já não acessamos mais. E nossa tristonha visão ainda quer nos reatar a esse mundo produzido em nosso torpor, guiando-se como moscas em torno de um reflexo de luz. É ouro de tolos. E quando o achamos, modificamos seu formato e jogamos novamente para a escuridão, onde mergulharemos nesse lodo pegajoso.

Felizes os animais, que carregam consigo um mundo de deleite sem se preocupar com dádivas amoedadas. Vivem aqui e agora. E nós, ainda temos a audácia de nos sentir envergonhadas com esse corpo nosso que é bicho. Como gostamos de inventar mentiras para que elas nos joguem para outro mundo, paraísos de prados verdejantes, onde faremos a atividade humana que mais prezamos, ruminar na grama feito bois. Queríamos ser bovinos! Rejeitamos até o bicho que a gente é para ser outro!

Mas aí que a gente se engana mais uma vez, queremos ser bovinos sem a qualidade de animal, isto é, queremos ruminar tudo aquilo que é feito de lembranças, sentimentos endeusados e ressentimentos sem jamais aceitar o momento que se passa agora. O boi abraça a vida, a gente deserda ela.

E quando antes sussurravam, hoje é aos gritos que aderimos à essa vida mecânica. Reciclar é a ordem. Reciclar não só latinhas de refrigerante, garrafas PET ou folhas sulfite. Têm-se também que reciclar padrões, comportamentos, pensamentos. A ordem é tornar tudo lixo, para derreter e fundir numa nova forma, mas mesma essência.

Assim se faz com o trabalho, mas não só com ele, com a identidade também. Mudou-se a forma do trabalho capitalista, mas essa produção intermitente de riquezas é ganho para quem, para as máquinas? Que elas são as mais beneficiadas com a produção. Elas estão no centro das atenções, e o resto é paisagem.

Identidade é uma coisa que se vem reciclando também. Aliás, é algo que nos tornamos viciados em reciclar, para que possamos consumir novas. Criar, inventar, experienciar outros fluxos? Não, os estilos permitidos são apenas aqueles que estão em alta no mercado mundial. Se não dá pra vender, em sociedade não vive.

É o imperativo do recicle! Recicle os ideais, os valores e os estamentos. Recicle sua vida. Mas jamais, repito, JAMAIS tente viver de uma forma que não está nas vitrines do mercado.

ou...
corra o risco de estar sensível a vida e a abrir fendas em teu corpo cimentado