sábado, 26 de junho de 2010

Corpo-linha

O manifesto do contemporâneo é a deserção do corpo. Corpo sem alma, corpo sem sujeito, corpo sem corpo. O corpo é tomado como nada além de um adereço de algo que não se pode chamar sujeito.
Corpo é deserdado de sua visceralidade, sua densidade. Resta é pura vigilância voltando olhos mortais à passagem. Tudo que entra e sai é passível de controle e repugnação: a mesa, o sexo, a criança.
Não é isso que a contemporaniedade deseja? O puro movimento? E pra que um corpo que impede esse movimento? O corpo têm que passar por um processo de desaparância: fazer sumir as aparências.
O corpo é reduzido a pontos, mas não se permite a pontos se estagnarem: são colocados em movimento, e o que resta, linhas. Linhas que saltam, pulam, e jamais sós, jamais se capta o que já foi. Mundo que nega o repouso.
Masakasu Saito mostrou-se um gênio, tornou o corpo literalmente linhas, linhas que são puro movimento. E a única coisa que faz lembrar-nos que ali esteve um corpo são algumas semblâncias desfiguradas, as quais não cessamos de colocar um homem ali, por não suportar o puro movimento sem rosto.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

...

Dar nome às palavras é um ato difícil, pois requer um cuidado especial.
Quanto mais falamos, mais facilmente elas nos traem e, mesmo que não seja de propósito, nos incomodamos com elas, achamo-as feias e menos verdadeiras.
Queria uma palavra-tampão às vezes, daquelas que se encaixam perfeitamente ao que queria exprimir.
Mas ela nunca vem, e eu fico angustiado. Angustiado porque nem eu mesmo consigo me entender.
O que se passa em mim é um mistério. Enquanto alguns são um poço desejante, eu não sei a diferença entre o querer e o não querer.
Passei a repetir alguns rituais para ver se acalmava este peito, mas apenas saber o jogo das palavras não bastou.
Mais palavras, mesmo vazio.

As próprias palavras são solitárias. E na solidão me entrego a elas.
Mantenho em segredo a morte que me acalenta. Temo que ao escrever me entregue a uma cripta.
Mas temo que ao entregar-me a mim mesmo a vida se faça larga, e eu não suporte.
Digo temer a morte, mas o que temo é a vida. Na vida, ninguém quer ser o último.
Ser o último a partir, e passar a não estar mais.

Ausências que não escolhemos, pessoas que não mais. E o último vê todos passarem.
Quem suporta ser o último? Por não querer ser o último me vejo tomado pela crença.
Queria por vezes não acreditar, e admitir que, quem sabe, eu seja o último.
Porém o direito que eu tinha em não acreditar prescreveu, eu não suporto ser o último.
Ser o último a partir é ser o último a viver, e como poderei viver sem um ombro amigo?

As palavras nos traem a cada instante...

sábado, 19 de junho de 2010

Vermelho de Sangue

Inconformado, meu pai me questionou como eu demorei tanto tempo a responder a pergunta de minha tia ao telefone. Não era ao menos uma pergunta difícil, ao menos para muitos dos presentes.
A pergunta banal foi - Quantos anos?
Sim, eu tive que fazer as contas com meu irmão, minha tia me deu 24 anos, meu irmão discordou, ele era mais velho que eu e não tinha tudo isso.
Tentei lembrar do dia que nasci... claro que não lembro de nada, mas me disseram que nasci em 89... estamos em 2010 e fizemos a conta, seria algo entre 20 e 21.
Meu pai continuou inconformado com o fato de eu não lembrar, e não só, de como eu não me importava com isso.
Sim, eu não conto os anos, pois não sei o dia que nasci. Sai do útero dia 19 de junho de 89, mas nascer eu não sei quando. O nascimento é uma surpresa, quando reparamos é que percebemos, que , nesse exato momento, nascemos.
E as pessoas ficam contando os anos de vida, mas parece que esta contagem é uma contagem regressiva, pois quanto mais alto a contagem parece que o tempo vai sumindo. Os 100 parece ser o limite, ao menos, para muitos.
Minha vida não é uma penitência onde os anos são contados, aliás já tenho dificuldade com os dias. Não sei a diferença que marca tanto em alguns uma segunda e um sábado.
Tem gente que parece que só de ouvir segunda-feira fecha a cara, e ao falar sábado ou um feriado qualquer muda totalmente. Nisso eu sou mais constante, meu humor não deriva de um calendário.
Em meio a tudo isso, uma reunião familiar ao cair da noite, onde vejo ausentes com mais corpo que os transeuntes que dividiam uma pizza comigo. Não que eu não goste dos transeuntes, mas algumas poucas palavras registradas no mundo virtual me vivificam mais do que a presença constante. São alegrias que são despertadas por um comentário qualquer, e que um discurso não fez.
É nesses momentos que penso, família como semblante social de nada serve, o que me importa é uma família sanguínea. Homens, mulheres, animais e coisas pelo qual meu sangue passa, e com isso me nutro, me vitalizo.
Por estar em contato com tais pessoas que sou banhado de vermelho, banhado de sangue.
É por essas pessoas que sou banhado de vida.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Clandestinos

Fico a pensar diante de ti, o que te move? O que deseja, quais são seus planos?
Fico aqui, engessado, travado, só livre de imaginação.
Não, não sei da onde você veio, mas esteve aqui,e como num passe de mágica, se foi.
O encanto? A graça? Esses ficaram. A alegria persiste, resiste a um pé quebrado.
Quem foi, quem será? Que corpo foi esse? Não conheço a história, não a entendo.
Ainda bem que um amigo me disse: o entendimento é apenas uma das camadas.
Que bom existir além do sentido. Viver do sensível. Reverberar.
E ao chegar a ti, sei que já não sou o mesmo. Algo mudou. Um trincado no meu corpo.
E como bom operatório-concreto, o trincado não podia ser subjetivo. Tinha que ter corpo.
Corpo de uma alma em processo, em meio a quebras e rupturas, um desabrochar.
Sim, estou num casulo agora, e preciso de duas hastes para andar. Já não ando só.
Não sei quando andarei só mais uma vez, mas mesmo só, agora sei a quem contar.
Não foi um encontro, é um acontecimento. Sei, porque não parou.
Invasão de corpos. Luz. Som. Bebidas. Gesso. Muletas. Clandestinos de todas as partes.
Mas quem me tornou um clandestino de mim mesmo. Esse foi você...