terça-feira, 13 de setembro de 2011

O bebê e as línguas

Indiferenciado e impessoal, o bebê teria mais a dizer à nós do que suportamos, adultos que somos, especializados que somos, sofremos de nossa própria designação.

Já dizia um fílosofo querido: o bebê é pura potência, está continuamente experimentado a si e ao mundo, ele está muito além deste núcleo duro da subjetividade ao qual nos encontramos encurralados - o eu.

É uma centelha, uma vibração, isto é, uma vida, diria este que é Deleuze.Atravessando aquilo que é mais empírico, mais orgânico, mais pessoal, eis uma vida, uma força que embaralha nossos códigos já enrijecidos.

E ao mesmo tempo, como o é frágil aos nossos olhos bem sabidos toda esta suspensão de juízo que o bebê efetua e que lhe permite um nível de experimentação ao qual nossos hábitos nos demandam a fuga.

O bebê fala por todos os cantos, e nem a fralda, nem a chupeta ou o seio o calam, ele não faz o jogo da falta e da necessidade, ele é uma bomba de desejos.

Explosão intensiva, empiricamente invisível. Nós em nosso voluntário endurecimento, já não o vemos e confundimos esta fragilidade, esta suspensão, esta potência que o bebê carrega com uma fraqueza, e justamente este caldeirão desejante que arrebenta todos os paralelepípedos em que encontramos esta uma vida.

Fizemos do ato uma necessidade, e desde então aquilo que chamamos de liberdade não passa de uma palavra, pois toda nossa potência foi convertida no ato, e sofremos desta determinação da potência, desta determinação que nos designa um eu, uma pessoalidade, uma especialização - afinal, isto que nos insere no mundo adulto e nos fecha a possibilidade de mundos outros.

E o bebê, impessoal e indiferenciado, é esta presença que arrebenta as paredes do mundo adulto, é uma língua, que para além das gramáticas, faz das sensações um mundo outro possível.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Roubaram-lhe os cabelos

Agora curtos, grossos, porém suaves
a longa cabeleira ficava na saudade
aquela pequena canção em carne
da vida, uma música
uma vida sem história
uma vida existente
seu si era o mundo
não um olhar para trás, mas um adiante
sem história, cheia de marcas
cheia de desvios, cheia de lágrimas
o canto era sua alegria
alegria invisível à nós que já não a vemos
agora ela é de outra qualidade, não mais é carne
é um sopro, que vem nos animar
uma brisa cantante
desafiando nossa insuportável densidade
ah pequena! bon voyage

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Na fenda a vida crescia

Existências se fazem debaixo da ponte
se fazem em cima e aos lados
todos os poros, todos buracos
habitados por aqueles que esquecemos
habitados por aqueles invisíveis
cada fissura, uma história pulsa
um ritmo que não o nosso
mas pulsam, eles e nós
e nas batidas desregradas
um esboço de canção
um encontro, um estar só
para além dos ossos,
para além daquilo que lateja,
um timbre, uma voz
enfim, um sorriso


para os pessimistas, olhem! Há vida!
para os otimistas, olhem! Há trabalho!
há alegrias, mas também muitas tristezas
lágrimas por vidas que não mais
lembranças por vidas que não mais
e nesse momento, há que se convocar
os guardiões das memórias presentes

nem memórias pregressas ou póstumas
e sim memorias presentes
a memória do instante
lembrar a vida no instante
e não apenas seu
NÃO MAIS...