segunda-feira, 22 de junho de 2009

Por uma vida menor

Temos uma vida demasiadamente longa, extensa, intensa. Nossas vidas são demasiadamente neuróticas, obsessivas e psicóticas. Reescrevemos a cada momento a novela familiar do conflito edipidiano, reescrevemos ,todavia, nossas vidas com a mesma pena, com a mesma caneta, a mesma cor e o mesmo estilo que nos fizeram ser quem somos.
A vida é monótona, tudo que temos para falar sobre ela é uma cor, ou outra senão, em nossa febre de estabelecer limites, congruências, histórias romancescas, das que tem começo, meio e fim. Estamos permeados, estamos em conflito, estamos. Estamos aqui no campo, onde as coisas ocorrem, campo de conflitos edipidianos, aflições narcísicas, angústias e fragilidades. Somos inseguros, não temos mais platôs que nos deêm segurança, na verdade nunca tivemos, pois toda segurança foi uma construção humana, e o oceano da existência fez as bases dos platôs erodirem, acarretando seu colapso. Mesmo que construamos uma nova torre para refugiarmos dessa solene vida, a pertinência da mesma é apenas quanto à sua duração, séculos...anos...dias?
O homem não entende, sempre quis controlar, sempre quis destruir, sua vida sempre foi regida pelo medo, foi regida por sua neurose, sua desconfiança, sua traição. O homem é mais fiel à um tijolo de barro do que a si mesmo. Sua frágil vida é renegada em prol de uma frágil estatueta, um ídolo de barro.
E a vida que carrega é tão frágil, quem dirá da vontade que a sustenta? Uma vontade tão, senão mais frágil. Somos condenados a morrer ao mínimo choque, no primeiro confronto nossas energias se esvaem, no segundo confronto o ar que pulsa em nós se enclausura, o peito aperta, afunila, e por fim, num terceiro encontro já estamos esgotados e a mais sutil brisa arranca de nós nosso último suspiro. O que fazer dessa frágil vida? Buscamos um resgate dessa vontade, simples assim? Como se bastasse isso para resolver? Vida e vontade estão entrelaçados, e vivemos no interstício de ambas, nos esgueiramos pelos corredores, pois ficar totalmente exposto a qualquer uma que seja nos levaria a loucura, é no entre as coisas que somos potentes, dentro delas nós só repetimos a mesma lógica que nos torna aquilo que já somos.
Mas adoramos essa (im)potência! Queremos repetir a história da novela, a fábula dos contos de fadas, não importa se os tempos mudaram, não importa se o campo mudou, queremos fazer parte do elenco da gorda felicidade, unânime, pesada, obliterante. Um dos destinos mais perniciosos para o homem é o de buscar sua felicidade. Essa felicidade que vem de fora e age como um peso, achatando o homem, esmagando o homem, e nosso sadismo nos mantém nesse processo de trituração da integridade, felicidade é uma péssima questão. A potência que essa corrida à beatitude nos oferece é sua própria negação. Negavamos a vida em busca de um sentido superior, em nome de uma entidade supra-sensível, transcendental, e hoje nos despotencializamos pela substrato dominante da felicidade.
O homem traí a si mesmo quando busca uma melhora de si, fica preso à tradição que o encarcera, sendo marionete de um jogo de forças, amarrando fimemente sua próprias cordas com as quais será manipulado pelos deuses da ciência, da economia e do marketing, o homem traí a si quando adere a essa lógica de dominação, sua vida é grande, gorda, enorme, cheia de fast food, cheia de junk food dados pelos mestres que o manipulam, deixam-se levar pelos movimentos desses gigantes com a falsa promessa de segurança, esquecem que esses gigantes requerem sacrifícios, que esses gigantes o engolirão mais cedo ou mais tarde, e a segurança prometida foi uma farsa.
Um homem menor, uma vida menor, um agenciamento minoritário que não faça de seus predadores seus deuses, à vida tem sido injetado coisas demais, requer-se agora um esvaziamento da vida, um esvaziamento do homem, para quem sabe assim nos afunilar e poder sair das correntes que nos prendiam, sendo menores, estamos correndo mais riscos, estamos mais em contato com a dor, a angústia e a aflição, somos pequenos e corremos o risco de sermos esmagados pelos gigantes, porém podemos ter mais margem de manobra, temos mais espaços para esgueirarmos, podemos viver entre as coisas que os gigantes não alcançam por serem demasiadamente grandes, menores podemos virar pontos que os gigantes já não mais vêem, e seus tentáculos já não nos alcançarão mais.
Sair do já enjoado romance da novela familiar e partir para uma inusitada permuta de sentidos, de estilos, sermos mais estranhos, mais temperantes não porque nos dizem, mas porque há uma sabedoria que faz do pequeno, miúdo, frágil um ser que afirma essa vida de seu modo singular, e assim demonstra sua força, em revés os gigantes que se utilizam de seus tentáculos de controle e dominação já provaram sua fraqueza. Sejamos um multidão de minoritários, uma multidão de Davis que não permitam às máquinas colossais engendrarem o homem e a vida em seu mecanismo de esmigalhamento.
Uma vida menor, mas pelo menos, VIDA!