segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Correm depressa os ponteiros...

E se a cada segundo, e se a cada instante eu lhe curvasse, se eu lhe idolatrasse, que haveria de mim ainda? Fui me criando em ausências de senhores e de ídolos, não lhe posso oferecer minha submissão. Você me vem com o relógio e acelera os ponteiros, mas a noite segue insone, cristalina. Por mais que haja de correr, não poderia permanecer como um rato que corre em sua gaiola, dando voltas e mais voltas sem o saber. Não, e também não é que você me cause insônia, mas a insônia vem se tornando uma parte de mim, é na insonia que não te encontro, enfim um respiro... cada segundo percorrido vem sendo uma enorme parede de argila me comprimindo, e neste sonho sem sono contorno o colosso, como se a argila já se transmutasse para um outro material, algum que eu possa moldar e assim construir um outro tempo para mim, que o encontre, mas que o tempo seja meu jogo, e não meu fim...

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Hábitos de um espírito geológico

Faz da terra meu labirinto, minha contração, minha expiração. Sabia de tuas sabedorias e de tuas artimanhas. O desejo quis se firmar naquele lodo existencial, lá onde água, terra e luz se encontravam, lá onde a chama cintilava em labaredas, e crispava em melodias, acenos de um caminho cuja volta não conheciamos, e passamos a preferir não. Já não precisávamos conhecer, seguiamos, seguiamos até nos perder de nosso guia, e precisariamos caminhar logo cedo se não fosse nossa bússola encarnada insistindo em oferecer uma meta, e a insistência daquele ponteiro mergulhava naquele território, naquele país que parecia um conto de fadas, um daqueles contos nos quais nos encontramos a cada esquina, um abismo. Seja o fundo do poço, seja a boca da bruxa. Os olhos da harpia. O canto da sereia. O canto, o abismo mais profundo que pude me ater, sem o perceber logo estava me debatendo no fundo que aqueles timbres teciam, preso em uma teia de aranha de fios musicados. Enfim, o abismo me fazia deslizar, o mergulho naquela fantasia contraída havia se tornada meu hábito, tal como me tornei o hábito da terra, o hábito da matéria. Fabular, a terra fabulava, e eu, em minha breve condição de fabulação terrena podia apenas afirmar meu sopro, minha mineralidade naquele pequeno espaço que habitava. Precisava estar bem comprimido, bem junto cada parte, para assim não esgarçar. Cada fabulação da terra era a volta da guerra de Netuno, seus mares e suas tempestades inundando continentes, naufragando montanhas e nos empurrando direto ao abismo. Me disse calma, e deu o último suspiro. Só mais um de nós estava seguindo sua bússola, e era eu aquele incapaz de fazer um caminho qualquer, aquele caminho intuitivo que a fantasia faz criar nas cabeças vazias o suficientes, eu era, e quem sabe ainda seja um devorador de homens e suas humanidades, quem sabe por isso a dificuldade. Agia frente a bússola que pendia, tal como os homens e suas metas, mas já não era humano, já não era animal ou mesmo orgânico. Era um sopro mineral nas teias da sereia, naquele canto aracnídeo em que percebi que minha imobilidade se tratava não de seguir guias, setas, agulhas ou outros homens, mas de ser tão ingênuo de achar que de humanidades que me movimento. A sereia me convocou ao abismo do canto não por uma punição, mas para evocar o excesso do real em sua fantasia, para evocar os cosmos que me faziam a fabulação e o hábito da terra. Me convocou a devorar o abismo, a contrair o abismo. E contraído o abismo uma insensata sensibilidade fazia-me cristalino. Era o que era, um sonho contraído de terra, água, fogo e ar.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O bebê e as línguas

Indiferenciado e impessoal, o bebê teria mais a dizer à nós do que suportamos, adultos que somos, especializados que somos, sofremos de nossa própria designação.

Já dizia um fílosofo querido: o bebê é pura potência, está continuamente experimentado a si e ao mundo, ele está muito além deste núcleo duro da subjetividade ao qual nos encontramos encurralados - o eu.

É uma centelha, uma vibração, isto é, uma vida, diria este que é Deleuze.Atravessando aquilo que é mais empírico, mais orgânico, mais pessoal, eis uma vida, uma força que embaralha nossos códigos já enrijecidos.

E ao mesmo tempo, como o é frágil aos nossos olhos bem sabidos toda esta suspensão de juízo que o bebê efetua e que lhe permite um nível de experimentação ao qual nossos hábitos nos demandam a fuga.

O bebê fala por todos os cantos, e nem a fralda, nem a chupeta ou o seio o calam, ele não faz o jogo da falta e da necessidade, ele é uma bomba de desejos.

Explosão intensiva, empiricamente invisível. Nós em nosso voluntário endurecimento, já não o vemos e confundimos esta fragilidade, esta suspensão, esta potência que o bebê carrega com uma fraqueza, e justamente este caldeirão desejante que arrebenta todos os paralelepípedos em que encontramos esta uma vida.

Fizemos do ato uma necessidade, e desde então aquilo que chamamos de liberdade não passa de uma palavra, pois toda nossa potência foi convertida no ato, e sofremos desta determinação da potência, desta determinação que nos designa um eu, uma pessoalidade, uma especialização - afinal, isto que nos insere no mundo adulto e nos fecha a possibilidade de mundos outros.

E o bebê, impessoal e indiferenciado, é esta presença que arrebenta as paredes do mundo adulto, é uma língua, que para além das gramáticas, faz das sensações um mundo outro possível.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Roubaram-lhe os cabelos

Agora curtos, grossos, porém suaves
a longa cabeleira ficava na saudade
aquela pequena canção em carne
da vida, uma música
uma vida sem história
uma vida existente
seu si era o mundo
não um olhar para trás, mas um adiante
sem história, cheia de marcas
cheia de desvios, cheia de lágrimas
o canto era sua alegria
alegria invisível à nós que já não a vemos
agora ela é de outra qualidade, não mais é carne
é um sopro, que vem nos animar
uma brisa cantante
desafiando nossa insuportável densidade
ah pequena! bon voyage

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Na fenda a vida crescia

Existências se fazem debaixo da ponte
se fazem em cima e aos lados
todos os poros, todos buracos
habitados por aqueles que esquecemos
habitados por aqueles invisíveis
cada fissura, uma história pulsa
um ritmo que não o nosso
mas pulsam, eles e nós
e nas batidas desregradas
um esboço de canção
um encontro, um estar só
para além dos ossos,
para além daquilo que lateja,
um timbre, uma voz
enfim, um sorriso


para os pessimistas, olhem! Há vida!
para os otimistas, olhem! Há trabalho!
há alegrias, mas também muitas tristezas
lágrimas por vidas que não mais
lembranças por vidas que não mais
e nesse momento, há que se convocar
os guardiões das memórias presentes

nem memórias pregressas ou póstumas
e sim memorias presentes
a memória do instante
lembrar a vida no instante
e não apenas seu
NÃO MAIS...

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O papeleiro

Sua boca, um deserto. Há tempos que não dragava uma gota sequer de água, mal lembrava da última vez que choveu, última vez que a viu, última vez que riu. Seguia às ruas, procurando sustento e bisbilhotando vidas que se faziam às esquinas. A proposta de casamento, o assalto, o mijo do cão no poste, pequenos acontecimentos que apenas sol, lua e ele estavam presentes. De sede, suas palavras foram ficando arídas, e de arídas, escassas, e de escassas já não mais falava. Já não importava a voz, pois quem dirigia palavras àqueles que vivem do papelão? Agachou-se para pegar os panfletos que inundavam as ruas, invisível à motoristas e pedestres senão por visível incômodo que lhes provocava a carroça nas ruas e aquele cheiro de bicho humano na rua, cheiro que os civilizados chamam de sujeira, ou de falta de higiene, cheiro que é um sinal, doença. A aridez de sua boca se estendia à seu redor sem esforço, sem precisar querer, ou mesmo sem querer este querer, nem precisava abrir a boca sedenta, os homens já se dispunham a secar aquilo que lhe era próximo. Bicho dos desertos! De longe era um camelo, o camelo é por demais robusto. Era um bicho dos desertos! Quem sabe um inseto, pois já estava tão seco que sua pele e a de um inseto se confundiriam. Era bicho de desertos! A cada passo na metrópole, areias sem fim prenunciavam seus andares, areias sem fim anunciavam suas marcas, areias movediças para os passantes, que sempre se sentiam de alguma forma tragados por aquela figura, apenas figura, pois não podiam mais que isso, procuravam um lugar seguro, um chão firme, uma marquise qualquer que os escondesse daquele sol que empesteava o papeleiro. Bicho-deserto! Tal como o escorpião, perseguido pelas chamas dos homens por um veneno desconhecido, perseguido não por ser desconhecido entre os homens, mas por carregar um desconhecido que as bibliotecárias não sabiam nomear. E em toda sua fraqueza, resistia sedento, sede que cede a um olhar abandonado um pedaço de osso, sede que cede ao só um companheiro, sede que cede suas lágrimas às lambidas de um amigo sedento. Quem sabe depois de tanto tempo sem água, ela lhe fosse intragável, de tanta sede já não lhe faltava mais, e de não faltar mais, podia seguir, resistindo sedento. Como se seu deserto carregasse não uma ausência de mundo, mas uma força, uma presença que fazia durar mundos, como se o deserto desse passagem a frágeis mundos que aos olhos extasiados com o mundo do belo, e da promessa do mesmo, seriam imperceptíveis senão por estas série de solapamentos e terremotos, estas cisões que a fragilidade causa nas coisas. Papeleiro, pessoa-deserta.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Tempo morto

Chegastes assim de mansinho, e como se não o percebesse, alojou-se em minha nuca como se nada quisesse. Deixei ficar e ficar e ficar, o manso foi ganhando tempo, e o tempo, gordo. Sabia que era hora de um adeus, de seguir diferentes caminhos, mas a mágoa, ah mas a mágoa, fez de ti não um peso, mas meus olhos. Uma cansada visão que se confundiu com aquilo que me era próprio, fui desapropriado de mim mesmo pelo manso que carreguei. Sem posse daquilo que via, o manso ria de seu triunfo. Ah esse tempo que resiste em ir, ah essa minha vontade em não deixar ir. Deixei o manso apodrecer em meus olhos até que os cobrisse com uma turva mancha, até o momento que nada mais passava, senão os fantasmas refletidos do já visto. Passei a viver entre fantasmas, e se antes sabia quem eram os vivos, mesmo que por breves momentos, o turvo borrou o vivo com morto, passei a viver com fantasmas. O tempo passara e nada percebera, o tempo passava e menos percebia. Não fosse a vida e seus desajustes, os fantasmas me perseguiriam sem fim. Foi assim que o olho passou a se estranhar, pela torção. O olho ao se estranhar, cavou-se, buscou a profundidade de um olhar, o fundamento último da visão. Nada encontrara, a tal origem perdida era isso, perdida. Mas não uma origem que se perdeu pelo manso e o tempo apodrecido, o olhar já era contaminado por tempos outros, como se o olhar para existir devesse por princípio ser perdido, ser perdido a cada instante, a cada piscar, a cada vislumbre. Sim, ver é a perdição, e quem senão os videntes para desbravar este caos? Pois é preciso perder-se muito no irreferencial do presente para ver, mas como dóceis homens recolhemo-nos à clausura do já passado.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Partidas

Estava de olhos mareados, impreciso, nauseante. A vertigem de um não e o frágil chão ruía. Eramos apenas expectativas, e o não nos colocou naquilo que não eramos, homens. Não queriamos enfrentar o medo, mentimos de nosso amor, e restou as saudades. Um acusa, outro foge. Os dois vertem lágrimas. Quem sabe amemos ainda, mas precisamos de desculpas para não aceitar amar, pois amar é radical demais. Amo-o e eis o risco, duas vidas em jogo. Fugimos, e a cada fuga nos encontramos, e aquela irremediável tristeza toma conta. Quantas não me viu e disse a si mesmo - ele me enganou. Quantas vezes te vi, e pensei...ele foi mais rápido do que esperava. É a tristeza dos encontros, queremos fugir por todos os lados, mas a cada fuga uma pequena mirada naquilo que restou, aquilo que restou para além das expectativas. Não sei se é mais, mas é algo. Afinal, o que me resta é esta espécie de insensatez que carrego, de sonhar onde não mais se sonha, e estar ao gosto de minhas desilusões. Santos jamais fomos, mas nos fizemos de. Foi este o engano? Não fomos sinceros com o mundo, e conosco mesmo, e esperamos um perdão que já não tem mais lugar. E nossa falta de sinceridade abriu uma fissura que nos separa mais e mais, e nos vemos, brigamos. Me escondo de você, pois tenho medo. Medo de que nossos olhares se cruzam para se distanciarem, até que no horizonte deixemos de ver um e outro. Sou um desafinado das cordas do coração, mas o modo que me tocou reavivou algo que já desconhecia. Quem sabe nossos olhares não se cruzem mais, mas desejaria que as marcas que ficaram não fossem de dor, mas despedida. Os encontros também expiram, terminam, rompem - e saudades suaves, brutas, de um amor retorcido e espinhoso ocupam nossa distãncia. Somos frágeis como as crianças, mas desejo a ti a eternidade que faz da criança um sorriso de abrir-se ao novo. Um amor torto, feito de pessoas tortas, sem expectativas, apenas saudades daquilo que precisou partir...

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Prenúncio de uma escutação

Como furar o ovo que se comprime à nós, caro Abreu? Aquele muro branco, que quando dito, somos perseguidos pela multidão. Aquele muro que é o ovo de cada um, aquela parede que insistimos manter, e assim há eu, e você. Você, e eu. Será que nos resta apenas uma opção, aguardar, enclausurados, nosso sufoco? Onde estão as vias do possível? Um pouco de possível, senão sufocamos, não é Deleuze? Em meio a tantas políticas públicas, falta-nos aquela que combata esta cronopolítica, onde o tempo e a disponibilidade são exceções em meio a um mar revoltoso de vertigens, entre congelamentos e acelerações, como diria o amigo Pelbart. Em meio a isso, que espaços de comunicação, diferentemente dos de informação, temos em vias concretas? Que momentos, que passagens abrem espaços para uma escuta de silêncios, espaços onde a escuta não é confissão. Escutar como uma espécie de arte, daquelas em que nos percebemos frágeis elos entre forças poderosíssimas. Será que bastaria colocar à espreita nossos ouvidos nessa parede, auscultar o outro de fora de nossa casca? Estar perto o suficiente, afetar-se, não seria esta uma possibilidade para que este branco asséptico se contamine? E na contaminação mútua, esboçar um mundo comum? Mundo em que coincidamos com os desejos e o gosto de viver, de alargar horizontes, ao invés de afunilá-los? Medeiros, Medeiros, será que poderíamos fazer pequenos traços rumo a uma cidadania outra, movida não pelos contratos, mas por delicados códigos do coração de cada um? É preciso sensibilidade, Pessoa, para interromper um estado, parar de dispersarmos nossas vidas em elipses absurdas. Eis que é preciso fazer recordar, recordar a escuta, lembrando da origem latina de recordar - re-cordis - que significa fazer passar pelo coração. Escutar pelo coração.


Se escrevo, é por lágrimas
o resto, é efeito de cópia

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Aberto à porta

Hei de admitir, sou péssimo em ultimatos!
De todo fim fiz, na verdade, uma porta
cuja chave não sei os segredos...

Entre amores e projetos, habitar o entre
mal de geminiano, dizem
mas o que dizer se, quando habitamos a passagem
é a própria vida que passa a nos habitar
e num sutil movimento
um corpo esburacado
cuja mensagem é um sugestivo
entre...

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Segurança

Talvez fosse um homem, ou mesmo uma daquelas mulheres castigadas pela vida
era difícil reconhecer ao fio da penumbra, a criatura vagava
num pranto tão profundo que refletia o horror do observador
pranto que lia alma, olhava sem piedade o rastro deixado
à cena um resquício presentificava o ato
rastro que atravessava o comôdo
rastro que atravessou histórias
os fardados chegaram, mas um era irrisório
tão depressa chegaram, tão tardiamente foram pouco depois
os prantos se tornavam soluços, gaguejos
a alma, enfim, quebrada
rasgada
uma ferida, daquelas que nunca fecha
sem chances de cicatrização, ou de redenção
ferida que acompanha o rastro
ferida que se contamina com o sangue de outro
deu três passos para trás, elevo o punho à altura do queixo
por mais força que fizesse, por mais que aquela dor de cabeça se intensificasse
o irrisório estava face-a-face, onde nem cerrando as janelas de nossa alma
nem estourando nossos tímpanos o irrisório deixaria de ser presente
os fortes não choram, agem - pensava o observador
muito sangue derramado cega, e é quando os justos se levantam
naquele momento preciso onde agimos para remoer-nos
daquele ato, justamente julgado, e mesmo assim imperdoável
e os justos, frente ao trágico, cansados das ordens astrais
fundam seu mundo por um desejo minado
para salvar o organismo
a vida deve ser travada ali onde o risco a diferencia
e, sem fim, os justos fazem do outro o campo de guerra

sábado, 16 de abril de 2011

De pé arredio

Mais uma vez, entre tantas outras
esqueci de ensaiar um movimento
o destino, seu trajeto
continuou um grafite corrido e borrado
entranhas cinzas ao balanço
de algo que nem se sabe querer
estranhos risco ao papel
traçei sem saber
numa guerra sem nome
pelo medo de meu pé
retornara a um chão já ruído

domingo, 27 de março de 2011

Meu nome é captura

sede incontornável de tempos longínquos
cede a mim a tentação de em dias de luto
vão esperar, lacuna que se presentifica
pesados para pensar, pesados para falar
que dirás de gozar?
homens cujo corpo reside adormecido
sem ousar o próprio gesto
pois a face que anuncia
é o caixão que denuncia
e num passo titubeante, renuncia
encarcerados por seus próprios esquemas
dos desejos que restaram, um vergonhosamente sutil
gregários, vergonhosamente expõem à 4 paredes
o compromisso se faz no silêncio
mas homens de compromissos são meros subordinados
pactos, homens de pactos, corruptos à sua natureza
são os capazes de tamanha ação, e tremenda comiseração
pacto com o abismo, filiação à nada
se renuncias a mim, captado pelo belo e pela moral
as penúrias deste transcendente há de corroer a pele
e findar os ossos ao controle, mesuras à teu tirano
vos ofereço os gritos daqueles que aventuram pelo caos
e a coragem daqueles que firmam a vida nos descompassos
nos maremotos, nos terremotos, nos vulcões e furacões
mas não me acompanha homem captado, tu funcionas assim
derradeiro e sedento por ordens
a ditadura vinga em vossas almas

terça-feira, 15 de março de 2011

Ultimato

Passei cada segundo a te esperar, fazia tanto tempo
era noite num encontro nada de espetacular
uma loja de bicicletas
e lá minha chama havia uma vez mais
viajar pela cidade, pela metrópole desconhecida
mas covardia
em tua moto, contei-lhe o caminho certo
foi minha decisão mais estúpida
depois de três anos digeridos
agora te brindo um adeus

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Tua pele expirou

E o corpo lhe pede passagem, mas tu, ainda preso em tuas anatomias, mantém-se. O corpo lhe pede passagem, mas tu, ainda preso em tuas autonomias, mantém-se. O corpo lhe pede passagem, mas tu, ainda preso em tuas automatias, mantém-se. Que há de tu que mantém-se? Que há de insistência naquele olhar? Que há de resistência naquela gagueira? Naquela pele que se desfez, naquela pele que se rasgou, naquela pele que se destacou, o que lhe restava? O que lhe restava? Tua pele e teu mundo, em atrito. Tua pele e teu mundo, ao detrito. Que lhe acontecera? Que lhe acontecerá, homem sem pele? Sabia de tuas inconsequências, sabia de tuas desrazões. Sabia de teus limites pelos vácuos que me ofertara. E agora, sem pele a percorrer, que distância lhe protege? Que distância lhe guarda, e aguarda? Homem sem pele, por que corres tanto? Não há lugar de retorno, não há origem de uma nova pele. O que lhe aguarda não mais é orgânico. Teu direito expirou. Não há pele, ou organismo reservado a ti. Hás de lidar com o intempestivo. Hás de lidar com a tempestade que jaz. Medo? Não estremeça frente alguns trovões, afinal de contas, eles sempre lhe fizeram parte. Modestia chamá-los de partes quando tu é puro relâmpago, instantâneo e devastador. Homem sem pele, destituído de toda fáscia, que resta de ti? Não mais derme, não mais carne, não mais osso. Tua anatomia expirou. Teu regime se esfacela. Tuas entranhas, puro movimento. Estranhas formigações, fornicações de estranhos. Já não mais um líquido ou sólido que o atravessam, mas setas, setas caóticas, não-lineares. Que trajeto percorrem num corpo não mais anatômico? Que passagens pedem um retorno, que memórias entram em jogo? Quem evoca, quem convoca? Não mais teus cárceres, não mais a pele. Tua prisão expirou. Livre do direito, eis teu jogo não mais em termos de morte

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Existe crime maior?

Ofensa, avareza, escambo! Há algo que lhe falta?
disse tin-tin por tin-tin, não me ouviste
agora indignado, se insurge
em meio a lingeries e suspeitas brumas
diz-me ser um assassino, um assassino de si mesmo
sem saber ao certo o como
estranho como,
como alguém se mata sem cometer um suicídio?
E mesmo assim, se insurge
Cansou, esgotou, odiou! Há algo que lhe resta?
disse a tantas por entre tantos, não me escutaste
agora braveja
em meio a fantasias, braveja
e este como lhe atravessa
por isso odeia tanto essa ofensa maior
avaro deste crime incontido
estranho à sua própria morte
como um homem comum

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Encontros literários - VI

- É sujo...
disse o menino ao então desconhecido
havia de encontrar alguns pensamentos
algumas dores
outras fantasias
mas o menino reiterou
- é sujo...
- é arriscado...
preservou-se como nenhum outro
nem lama, nem pó ou sujeira alguma
colocavam em desvio aqueles implacáveis olhos
e aquela frase não mais autônoma
mas autômata
se pronunciava ao desconhecido mais uma breve vez
antes do desconhecido que pede um adeus
- é sujo...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Artaud e Meireles num encontro saramagal

Eis Meireles quando diz não serei eu e que as datas as coisas os retratos o que foi dito e o que foi ouvido não será eu outra coisa apenas e que a unidade possível é uma breve unidade passional quebranta rachada lacônica de instantes mínimos em que a coesão produz o eu coesão díficil não forjada pelas sutis invenções nem as espertas engenhosidades eis Artaud que abomina a cruz e vive pelo osso arriscando a mostrar-se no osso diferentemente dos homens que se escondiam pela carne Artaud uma criatura louca que pergunta Deus é ser seguida da afirmação Deus é percevejo que se nutre do sangue dos corpos que ainda persistem em serem corpos Artaud uma criatura do apetite mas não da fome sufocado pela idéia de ser um corpo por produzir um gás fétido sufocarem-no com a insistência das perguntas até a ausência a anulação da própria pergunta Meireles e Artaud pecam Meireles e Artaud pecam pelos excessos de tua presença e pelos rumos de tua ausência de sentido ainda mais quando entram em contato pele a pele com mais um daqueles que já não habitam a carne enfim Saramago três habitantes da terra dos ossos que persistem a viver na insistência de nossos corpos e em intermezzo de nossas unidades celulares Artaud grita Artaud ruge contra a célula e o micróbio estes últimos ostentadores do juízo de Deus e Meireles pacificadora de tamanha vulcânidade de canção magmática invade corações fígados e intestinos com a coragem do não saber num encontro inusitado e cansativo inexplicável para levar à esta pequena razão da mente isto que é para além da existência e sua significação três viventes que enganaram a morte deliraram em intensas biografias estas espécies de ontologias na abrupta presenças dos corpos a vida que inspira o pensamento de modo que este a leve aos saltos saltos não escritos na história mas escritos à pele tingidos na memória os cortes as cisões os desgastes rupturas tingir na memória as quedas bruscas e sem fundo que levam uns à lua e outros aos balcões três ossaturas de inumeráveis constelações de identificação impossível na fuga de todo automatismo da ordem e do juízo numa revolução que não há lugar nem mesmo o lugar do corpo.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

à ti, desertor

Em outros trópicos, nada diria
mas cá ao sul
tu que se indigna com minha matilha
tu que torna indignas nossas crianças
lhe pergunto um por quê
e retorna uma resposta atravessada de silêncio
o que há de tão tenebroso, tão monstruoso em nossas criações
que agora desejas parar
que agora desejas deixar passar
e simplesmente passar
não lhe perguntei de qual específico
pois estes tu aguenta menos ainda
imagine quando estas monstruosidades apenas, movimentam
que há de raio, que há de sol em teus sorrisos
que tanto assusta tua petrificada fáscia
eu insisto em desejá-las, plasmá-las
entorpecer-me com elas, abrigá-las
gestar cada gesto, cada fala, cada minúcia
cada ovo implantado sob minha pele
ovo de pequenas monstruosidades
ovo de grandes intensidades
prestes a chocarem
liberando o tempo de tua presença

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O que eu explico?

Tu queres meus pequenos respeitos. Eu quero teus grandes desvios. Tu queres saber o quanto fiz. Eu quero saber o que tanto fará. Tu queres me cobrir, eu quero teu avesso. Quero querer, queres querer, quereres. Quereres a cada vírgula, quereres a cada esquina, quereres a cada ponto. E entre eu e tu, cansamos, eis o nosso momento. Não bastou-me cansar, não bastou-te cansar, foi preciso cansarmos. Cansar de respeitos e caminhos, ídolos e desafetos, verdades e mentiras, foi preciso cansar. Foi preciso cansar do tempo, do espaço e da vontade. Foi preciso cansar de ser homem, foi preciso cansar de ser animal. E o engraçado é que a repetição não cansa, estabelece suas raízes em terras aéreas, como se as margens fossem milimetricamente movidas por ventos e mudanças ocorressem a cada brisa, como se o território margeasse em novos traçados sem ser posto em ruína. Explicar? Não sei nem o quê nem como. Apenas um cuidadoso, fica a dica!

domingo, 16 de janeiro de 2011

Uma imagem, um modo de vida

Afinal, quem tem um corpo? Afinal, um corpo movido a quê? Afinal, por quê raios falamos do corpo sempre em um fim!?
Vamos botar o afinal de lado e pôr as coisas em panos claros e escuros, aveludados e ásperos, transparentes, vibrantes, opacos, pesados. Nada de claridades redentoras, nada de essências justificadoras, falemos que nem gente grande do corpo, com fantasia e imaginação, e sem apego à definição.
Oras, percepções corporais são diferentes: um atleta, um serralheiro e um burocrata não têm o mesmo corpo. O que ativa o corpo para cada um é tão diverso, mas não nos enganemos, jamais se ativa o corpo em sua totalidade! A ativação é modal! Ativo o modo escrita de meu corpo regado à coca-cola, outros à álcool, e outros simplesmente não ativam, pois outros circuitos estão em jogo.
Ativamos esquizofrenia e neurose, alegria e nojo, pavor e amor. Ativamos sensíveis, paixões.
E os efeitos de superfície? E a vibratibilidade da pele? O timbre da voz, da garganta, do estômago?
Ativamos defesas sem cessar, defesas contra o outro, defesas contra a falta de terra, defesas contra este movimento indisciplinar do próprio corpo.
Como um fio, o trançamos em um determinado ponto inúmeras vezes, para que fique bem preso, embolotado, estável, ou como dizem as más línguas, "centrado".
As mãos que tecem o fio só não percebem que são o próprio fio, e em determinado momento, mãos embolotadas.
Quanto tempo despendido para retornar os fluxos em corpo centrado, ainda mais quando o coro dos centrados agem como mãos que não desembaraçam o outro, aglutinam em torno do bolo para proteger a si mesmas do que é diferente em si e nos outros.
Extensão? Não, uma bola de neve bem no cume, bem equilibrada de uma montanha que só cresce. Uma hora territórios movediços encontram a montanha, e terremotos acontecem. Avalanche de centrados abaixo a colina.
Sorte que o corpo é feito de fios de pontos desconexos! Se desaba, outra forma atualiza! Se aglutina, desconecta aqui, agencia acolá!
Mas a imagem sempre fica em desatino quando se fala de corpo, o corpo sempre parece ser mais real, mais excessivo e volátil que a imagem. É um desafio domar o corpo, mas quando se trata da imagem, é como sempre estivesse no mesmo lugar, tão ilusória quanto falsa, sendo apenas um efeito do corpo.
Separar o corpo de sua imagem, e a imagem de seu corpo não seria reafirmar uma longa dicotomia, daquelas que adora aparecer para mostrar que séculos passam, mas continuamos a pensar em termos de dualidades? Imagem é um efeito histórico do corpo, a materialidade do corpo produz suas imagens e a sensibilidades para captá-las. E a história e sua materialidade sempre escondem seu duplo, o fetiche pelo corpo esquece o processo de produção do corpo por suas imagens, seus esquemas, anatomias e representações.
Um corpo chinês e um corpo americano, um corpo europeu e um corpo africano certamente não são os mesmos, por mais que uma "ciência" diga que todos tenham as mesmas estruturas, mesmas simbologias ancestrais. Universalizam as estruturas para universalizar os modos de vida.
E pelo tempo que me é concedido, antes uma imagem que desaba e produz outros corpos, do que um já configurado pela bioengenharia.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Uma orgânica, dança

Que o pensamento do baço
atualiza em teu braço
a pele, feito aço
naquele sutil abraço

Como sem fim,
trouxe a meu partir
aquele pano
aquela zona

Em teus lábios, teu coração
em teus olhos, ardente paixão
como um autor, é tua ação
como um cisne, levitação

Como sem limite,
trouxe a minha espera
aquele sonho
aquele cânhamo

Nada que uma licença poética

para ao alto jogar a ética

Nada que o corpo

em indisciplina radical

não margeie, não escape

dos limites de nosso excesso

domingo, 9 de janeiro de 2011

Penso

Penso que a cada espera, um leve desespero bate à esquina.
Penso que a cada momento, um sombrio desejo toca a campainha.
Penso que a cada instante, não quero o pensamento à minha porta.
E de tanto pensar, esvaziei.














Penso, a cada espera, o desespero


Penso a escrita pela ferida