quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Um convite à crueldade

Fácil fazer um convite à paz, ao amor e à nobreza de sentimentos. Elementos transcendentes, enrijecidos num campo moral que se faz além do corpo, e que só funcionam quando em minha perversão penso que existe Eu, e que Eu habita o corpo.

Dicotomia assassina- acaba com aquilo de mais vital possuímos. O império da alma oblitera o corpo, e se pudesse, o exterminaria de sua existência. Algo em nós deseja esse extermínio, algo que foi capturado e modulado de tal forma que agora deseja que aquilo que é vital extinga sua flama.

Esse algo que carregamos não cabe na definição natural - nem artificial. Esse elemento constituitivo de mesquinhez não possui a mesma forma para cada singularidade - mas seu resultado é o mesmo: a vida atrás das grades.

Textos amaciados jamais alcançam um encontro. É necessário que a vida entre em risco para mostrar sua potência. Devemos ler crueldades - o que é diferente de perversidades -, que causem tremendo mal-estar, que passem como uma lâmina onde nosso corpo havia perdido o instinto.

Homens de fé. Temerosos dos instintos e que negam as mais belas virtudes do corpo. Negam a vida e aquilo que os afeta - e pior - justificam sua ausência do momento por um mito, e alastram uma mentira ainda maior quando se esconder por trás da cruz - mesmo a cruz atéia.

O outro mundo! A terra prometida! Um brinde ao pervético vício iconoplasta! Qualquer forma que o mito apresente, ele nega aquilo que é necessário para constituí-lo - depende do desejo, depende do instinto para plasmar essas distopias que afastam o corpo de seu instinto originário.

E as utopias dos homens de convicção - um saboroso vamos mudar o mundo? Disfarçado bem sutilmente de vou tomar o mundo da forma com que o desejo. Apenas se troca os desejos constituintes, quais são validados e quais não. E o inferno como um certo filósofo diria - o inferno é os outros. Claro! Para um homem de convicção, encarnação de narciso, tudo que não sai dele, que não é espelho só tem um destino - a feiúra e sua podridão.

Utopistas! São eles que criam o inferno na Terra! Vivem da oposição de valores, vivem da oposição de castas e de ideais. Vivem da oposição corpo e alma! Jejuam o corpo para fortalecer a alma, alma definha pois lhe falta corpo. Dizem ser democráticos - enquanto sua opinião se sobrepor às demais. O outro é o erro, e o Eu que nos separa é deus em carne - e divinamente inquestionável. Infernalmente mordaz com a diferença.

Aos apologistas da diferença, vocês são víboras disfarçadas em pele de cascavel. Quem acham que enganam? Hipócritas! Aceitam as diferenças que não nos tornem diferentes! Agora, se algo é tão absurdo que rompe essa camada morta de pele que nos recobre, até mesmo a pele desse Eu que nos separa em nós e outros - ah meu filho, é nessa hora que você vê a sua baixeza. Torna a diferença um zoológico, ali longe, ilhada onde não possa lhe atingir, e donde possa rapidamente desviar o olhar quando se torna demasiadamente desconfortável.

Homens da mediocridade – são mesquinhos de vida. Fogem da vida a todo custo. Economizam grão a grão de vida para apodrecerem ou serem incinerados no final, desperdiçados. Jamais saberão o que é suficiente de potência, pois não se atrevem a romper os limites de sua mesquinhez. Não sabem o que é ser suficientemente vivo, pois nunca deixaram que seus limites fossem arregaçados, esfacelados pela vida. Demasiado é uma palavra da qual fogem.

Buscam fantasias de verdade para que não precisem enfrentar a vida. Por que verdade? Para viciar as crianças com tamanha droga? A perquirição de um lugar último e que esteja assentado nos valores daqueles que incutiram esse vício na criança? Vil estratégia - se os homens não lidam com a vida, ceifam aonde a vida é experienciada. Na vida não há verdade. A criança não é movida à verdade, nem os animais ou as plantas. A inoculação desse veneno objetiva manter os anciões em seu lugar – assentados em seus caixões, e hipnotizadas, as novas gerações exalam esse tóxico adiante, inebriante. Cheiro de morte e podridão.

Verdades que nos acalmam e nos consolam são o vinho envenenado que corrói nosso corpo. Vicia e nos macula. Esta taça que silencia corações deve ser partida – e os taverneiros deixados em sua inebriante loucura. Ou sanidade, como se dizem. Deixe-os com tamanha perversão.

Para essa existência mesquinha – basta ter a verdade em mãos. Mas para viver, não basta. Não. Precisa encarar o abismo de frente, precisa carregar a crueldade da vida para dela extrair sua potência. A vida não está do lado da verdade.

Um comentário:

Renan Carletti disse...

estou pensando em acreditar mais na 'mentira'... =D