quinta-feira, 5 de março de 2009

O gato da cerca

Era início de outono, já não se viam mais nos jardins os desfiles florais que cobriam a grama durante a estação anterior, os resquícios de tamanha riqueza em cores e aromas agora jazia num tom amarelo-cobre, as pétalas que antes encantavam pássaros e abelhas agora estavam murchas no chão, cobrindo toda relva de um sereno dourado.
As árvores? Suas folhas verdes vibrantes, que antes denotavam o raiar da primavera, agora ressequidas criavam uma atmosfera de intropescção. À distância, lá no horizonte entre as colinas, sublimavam duas guardiãs, imperadoras imponentes da natureza cujas raízes tocavam o amago da terra e cujos troncos desafiavam a gravidade dos céus, estes dois gigantes de madeira, da mesma família que o carvalho, criavam um portal, uma passagem entre o emaranhado de galhos e o tapete de folhas amarelas.
Para as mentes poucos sutis só se veria essas duas árvores e nada mais, passaria totalmente desapercebido esse portal para um novo mundo, mas a magia da natureza não é para os mecânicos, pois a magia, o místico são de um domínio inéxplicável à razão costumeira, ela prega peças nesses ritualistas ordeiros.
Andando pela trilha de pedregulhos e folhas caídas rumo a direção dos dois entes e seu precioso mundo guardado, começo a pensar naquilo que fui, naquilo que sou, e o que serei ao atravessar a linha? O cético pode me dizer que não há razão, não há postulado da ciência que ostente que eu mudarei quando atravessar a limítrofe entre esses dois mundos, isto porque o cético não vê esse outro mundo, para frente e para trás para ele é mera questão de referência, mas eu vos digo, não é que ele esteja errado, mas eu sei que há alguma coisa no ar, é uma pulsão, um sentimento de um outro mundo.
Assim como meu coração bate, a essência da terra vibra, e a sintonia ocorre, mas lá adiante, após as duas grandes árvores eu sinto uma terceira pulsão, não sou eu e nem a terra que vivi, é um outro lugar. Eu imagino o que os homens devem pensar sobre tal situação, eles especulam mais do que sentem, pensam mais do que vivem, e ainda ouvi dizer que eles acreditam numa coisa muito engraçada, ela se chama alma...
Segundo seus padres e mestres nós não temos tal coisa, essa alma é um troço estranho, ela é eterna, mas foi criada, e sua essência é pensar. Mas se algo é eterno, ele existe desde sempre, e se foi criado, foi feito por um ser exterior, eles chamam de Deus nesse caso, eu acho... e considerando isso, esse ser mais potente e eterno deve ter criado a alma ou pela necessidade ou pela espontânea vontade de criar... ai ai ai, mas essa coisa dá muita dor de cabeça, deixai aos homens essas loucuras.
Até me perdi, onde que eu estava mesmo...Ah! Lembrei! Estava indo em direção ao portão...e nossa, como o tempo passou, já está entardecendo, os raios de sol num céu laranja, mesclando-se com as colinas douradas, não há como um ser como eu não contemplar a paz desse cenário.
É chegada a hora, fui demasiadamente homem estes tempos, pensei, titubeteei, mas não sai nem da trilha e nem avançei, devo passar pelo portal antes que a lua entre em cena, devo nascer nesse novo mundo antes que novamente seja tragado à noite materna, seja engolido pela proteção em demasia.
Pata a pata, graciosamente e com muito cuidado eu chego no limítrofe dos dois mundos, é minha última chance de retornar àquilo que já conheço, minha casa, meu reino... agora sentado no meio do caminho, é tempo de minha última golfada de ar, porque do lado de lá eu sei que eu já não serei mais o mesmo. É hora!

E assim nosso pequeno amigo atravessa a barreira que separa a realidade que assim tomamos como verdadeira, do nosso mundo permeado de imaginação e magia. O pequeno gato da cerca, que há muito havia ficado na dualidade de sua condição, entre ter a sua tigela matinal de leite ou arriscar-se em um novo mundo, resolveu seguir adiante, e jamais se ouviu outra história sobre o gato da cerca, todos ficaram nas dúvidas e nas incertezas, será que realmente havia outro mundo? Ou o gato da cerca, envergonhado com sua desilusão fugiu para não ser mais visto?Nada pode ser afirmado, porém ninguém atravessou o portal para saber o que havia acontecido.

Um comentário:

ex-intercambista tensa* disse...

Adooorei seu blog.. apesar de ter textos longos, faz a gente se fechar e querer saber o final. muito bom! :)
se voce tiver um tempinho passa no meu blog... www.pastelviroubolo.blogspot.com
Beijinhos*