domingo, 16 de agosto de 2009

Farmácia de escrotório

Como dizem: escrever é para os ociosos.
Escritores, assim como artistas, são gente que não fazem nada. Pessoas que não querem nada da vida. Não são trabalhadores, não consegue aturar as experiências duras do cotidiano. São melindrosos, sentimentais, ilógicos.

Esse é o senso comum, arte...pra que arte? Para nos divertir, para nos desestressar...
arte para lazer...

E hoje em dia, tão cheio de workaholics, trabalhando dia e noite em escritórios, cúbiculos, fazendo da empresa seu deus.

Arte...pra que arte? Para fugir desse cotidiano estressante? Obter um lugar de subterfúgio desse mundo alucinante, onde homem atropela homem, o dinheiro em primeiro lugar, as máquinas...em segundo?!? E em terceiro...ahá! Pessoas?

Não, não são pessoas, são cyborgues. Totalmente programados. Aprendem regras de etiqueta, pois se não a tivessem não saberiam tratar uns aos outros. São ensinados a comer. São ensinados a dançar. São ensinados a labutar.

Vivem num mundo (des)encantado. Para acordar: despertador. O corpo ainda tem sono, dormiu poucas horas. Café, coca-cola e pó de guaraná para ativar a cabeça. Que o coração pife, não há lugar pra ele no escrotório das ruas de São Paulo.

Dores- aspirina
Impotência- viagra
Para atenção- ritalina
para depressão- prozac
para sucesso profissional- coaching
para criar- drogas
para fidelidade- ocitocina
para sinceridade- soro da verdade

Para amar- a...mar? Desculpe a farmácia não vende pílulas de amor

Vendemos trabalho. Compramos sua consciência. Compramos seu espírito.
Resta corpo-máquina.
Corpo que repete.

Repete...

Repete bom dia, repete boa noite, repete cumprimento, repete obrigado.
Jamais inicia, sua programação não permite.
Treina-se para passar a perna, para ser malicioso.

Não se preocupe, logo criaremos chips, e colocaremos em seu cérebro, não precisara nem mais pensar. Pensamos por você, fique tranqüilo.

Sabe aquele estremecer no peito, aquela alma que chora?
Vamos calar ela, quem precisa de alma quando tem um carro novo?
quem precisa de espírito quando se pode pagar por qualquer coisa?
qualquer coisa...

qualquer coisa?

Tudo tem seu preço? Tudo é preço?
Quem coloca o preço? Não lembro disso?

Eu não lembro?!?

Um abajur tem seu preço, um chocolate tem seu preço, uma caneta tem seu preço? tem, né. É a lógica.

A vida tem seu preço.
O espírito tem seu preço..
A alma tem seu preço...

É a lógica! Claro que é a lógica! Tem que ser a lógica..lógica...
Lógica...

É lógico que eu deva vender minha vida, para que outros vendam suas vidas
É claro que devo trocar minha vida por um pão, e ensinar meu filho isso!

Não tem outra opção a não ser aturar as pressões de um trabalho que te chicoteia.
Coluna pra quê? Aspirina
Dor de cabeça pra quê? Aspirina
Divagar a vida? Seu vagabundo! Tome ritalina

E toma cacetada! É trabalho que desaponta. São pessoas que te iludem. É a mente que deixa de ser humana, é a mente cyborgue.

Você foi adultilizado.
Viva os benéficios da insônia, de ter sua criança enjaulada num quarto escuro, de seu coração dar piripaques.
Programe-se! Claro: segundo nossos disquetes, nossos livros de auto-ajuda
Siga nossas receitas de felicidade

.
..
...

Arte... e ócio
que coisa terrível para a vida
Sensibilizar-se

sentir o coração da música, a vibração da pintura, o toque do abraço
amar...
outrar-se...
pacificar-se...

Afinal, pra que tudo isso se eu tenho um Cross Fox???
Arte...pra que arte!

2 comentários:

Bel Keppler disse...

"Mesmo que não existam mais terras
As flores sempre nascerão

Nos telhados das casas,
Nas brechas do asfalto
A caminho do Sol

Podem destruir, duas ou três flores.
Mas nunca poderão conter a primavera"

Arte...pra que arte? Pra qualquer coisa, pra qualquer um. Nem que seja pra mim e pra você.
Lindo texto, parabéns.
Acontecimentos do dia. Meu dia agora é outro. Valeu! (Obrigada, nunca mais!)

Kinna disse...

"Não, não são pessoas, são cyborgues."

Me lembra muito um trecho do Cazuza: "Me sinto uma cobaia, um rato enorme."

Tô lendo seu blog inteiro hoje. Muito bom.