segunda-feira, 5 de abril de 2010

O mundo é leve?

Devagarinho um menino se aproximou, puxou-me pela barra da calça. Queria chamar-me a atenção. Pequeno, deveria ter seis anos. Eu, por demais atarefado, deixei-o alí, em seu canto.
A despeito de minha concentração, berrou meu nome, e pediu-lhe pra responder uma pergunta. Uma única pergunta e me deixaria em paz.
"Fe, você que estuda tanto... o mundo é leve?"
Essa pergunta me desconcertou. Não, eu não sabia. O menino se foi desapontado. Não tornei a vê-lo por muito tempo. Tempo até demais.
De que adiantaria dizer que a Terra pesa toneladas e mais toneladas, mas comparados com o peso do universo, somos uma pluma à deriva? De fato, naquele momento, nem essa resposta eu tinha...
Apenas uma cara de expressão vazia, desapontada com o mundo. O menino não precisou de minhas palavras, bastava ver meus olhos secos e minha atenção fúnebre. Sei que aquele menino ficou muito bravo comigo, e anos a fio não quis falar comigo.
Tudo era feio, e o mundo não rodava. Já acreditava em nada, já não confiava em nada. E um choro reprimido daqueles que não querem chorar ficava guardado no peito, ocupando uma boa parte de espaço. A vida passou a ser um incômodo.
De dia fugia da própria sombra, à noite buscava a resignação nos estudos e nas promessas de mudança. Estudei, estudei... e o mundo não mudou. Aos poucos eu mudei, fugindo duma couraça, mas entrei em diversas outras. Passava a acreditar em alguma nova mitologia: a ciência, a arte, a revolução. Mas logo passava, ia em vão.
Mitos são apenas mitos, dizem. E fadas, minotauros e sereias são apenas mitos. E mudar é um mito. Deixei de acreditar nos mitos, e com isso, na mudança. Mudança mesmo que de uma única coisa, uma única pessoa, mesmo que seja eu esta pessoa que muda.
Se já num tinha esperança em mim, como o teria do mundo? Aquele menino que me deixou alí, sentado, tinha razão de estar bravo. Eu desistir de mim, eu desistia dele. E ele me estimava muito.
"Olha aquela flor. Deixa a borboleta voar"...
E eu ignorava. Custava-me entender...
O mundo se tornará pesado, demasiadamente pesado. E já não queria mais levá-lo.
Mas esse menino inquieto volta. Já não é mais um menino. Já é homem, mas também é pássaro e é leão. Ele sabe que a vida é muito mais que nosso umbigo, que nosso sofrimento, que nossa asma existencial.
E vem aqui a conversar comigo, um velho precoce. Visita-me como um amigo. E eu me sinto num asilo. Quero colocar o pé na cova, mas ele não deixa. Não porque eu seja jovem ou velho, não é isso que ele implica. É viver como um cadáver que ele não aceita.
Eu retorno sua pergunta então.
"Descobriu se o mundo é leve?"
Ele balançou gentilmente a cabeça e disse
"Um mundo é apenas um mundo. O que importa é o que você faz com ele."
Soltei um riso sutil, não acreditei nele. Pareceu-me um pouco de infantil essa afirmação. Ele sorriu de volta e disse que logo voltaria. Fiquei lá, meditativo.
Mal reparei no pequeno bilhete que deixou, um pequeno poema escrito às pressas
"o que torna pesado ou leve o mundo
não é a alegria ou a tristeza que temos,
mas os nossos sonhos e sua falta."

um pequeno manifesto do sonhar que deverá ser escrito...

3 comentários:

Anônimo disse...

Era uma vez um menino que sentou do meu lado. Muitos juram que somos namorados, mas é só pura cumplicidade.
Hoje ele sentou do lado da velha, que tava perdida na chuva e na esquizofrenia. Tentou convencer que o mundo é leve e ela resistindo a acreditar.
Seu coração não bate do mesmo jeito, tem muita coisa ruim ali atrapalhando.
Por mais que ela precise de tempo pra voltar a infância e sentir-se leve, toda vez que a velha encontra esse menino eles se dão as mãos e ela sorri como criança.

Anônimo disse...

"Visita-me como um amigo."

"Não porque eu seja jovem ou velho, não é isso que ele implica. [b]É viver como um cadáver que ele não aceita.[/b]"

O mundo não é leve, principalemente, quando não queremos que ele seja.

Renan Carletti disse...

Seria uma bela crônica, se não fosse um manifesto singular.

(se não era pra ser um manifesto, me permite a interpretação?! hehehe)

Renan Carletti