sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Admiração, a hipócrita

O que é admiração?
segundo nosso querido wiktionary, é um sentimento de surpresa, assombro ou espanto diante de uma situação, alguma coisa, algum objeto, e até por um alguém em especial.
Nossa! Então é um bom sentimento? Ele nos trás alegria por acaso? O que acontece quando admiramos? Sinceramente, o admirar é letárgico, você faz alguma coisa quando admira? Não! Você simplesmente se foca no objeto de admiração e fica nisso, um ser parado, recluso e avarento, avarento de visão.
Agora cito Nietzsche uma pequena frase para meditar sobre o perigo na admiração
"A admiração de uma qualidade ou de uma arte pode ser tão violenta que nos impede a aspirar à sua posse"
Quando você começa a se apegar a sua admiração, você se perde, fica estagnado na visão de um quadro! Mas a vida não é um quadro, não é um vaso ou uma casa, a vida é muito mais do que essa superficialidade da admiração. Se o alvo de nossas vidas é a vida em si, por que nos perdemos jogando alvos imaginários no carro do ano, na viagem prometida, no amor platônico e nas mais diversas divagações do desejo? O que se busca na vida? Belas casas, abundância de moedas, roupas da moda são apenas tiros jogados no além, porque nada são além de algumas expressões ,que aqui vou dizer, divinas. Que são elas além da beleza, da graça e da riqueza?
O que a gente busca é ser uma avarento, um limitado, ou um ser aberto, disponível ao caos da vida?
E o que é aquilo que nos apegamos, que possui tanto mas tanto valor que precise ser protegido por uma fortaleza? Em primeiro lugar, se isso é seu e não pode ser tirado, não há motivo para chorar nem tem medo, isso não sai, e em segundo lugar se isso não é seu e pode lhe ser tirado, nem vale a pena ser guardado! Inutilia Truncat! Se não me engano, essa é uma das três máximas dos arcadianos, junto com Carpe Diem e Fugere Urbem , e ela quer dizer: livre-se do desnecessário, simplesmente isso, do que adianta guardar coisas que só te dão peso, que fazem você ficar com retrancas pra tudo que você faz?
E o que é o isso de que tanto falo? São jóias, são livros de conhecimento, é dinheiro, são as grandes virtudes e morais, a quem estamos apegados? Também, mas sabe, é algo que pode ser bem mais simples do que parece, uma trava nas relações que você desenvolve, seu apego a uma atitude, apego aos seus desejos. E agora, o que fazer com esse apego? Joga pra cima e deixa ele se vira, por acaso você se chama apego? Se não abandone ele, o apego é de quem se identifica com ele. Deixe-se livre e solto, as coisas vem e vão, elas fluem na vida, pra que nadar contra a corrente?
Agora vou dar um pulo, ou quem sabe três pulos, pra que da frente cá eu volte.
Qual a ligação do esquizofrênico com a adimiração? Lembro aqui de nosso trapezista do post anterior, o que ele faz aqui? E tem sentido essa ligação?
Não, ela não faz sentido, mas mesmo assim ela existe, nos criamos e condicionamos essa bizarrice da divisão do homem, da mente dividida, quem disse que tudo que se pensa faz alguma lógica?
Nós com nossas artimanhas fizemos o homem a admirar algo que não condiz com sua realidade singular, deixamo-o dividido e sem chão, deixamos ele pendurado nos conceitos, nos valores da sociedade, da religião, mas por que isso? Por que não aguentamos a liberdade, a unicidade? Por que queremos uma legião de escravos para conduzir a nós mesmos, uma sociedade? Por que é tão difícil, se não impossível, do homem viver em conjunto e íntegros? O que faz de um ser livre uma afronta ao outro? E o pior, sabendo disso, dessa influência interiorizada por todos nós, porque não saltamos desses bastões do condicionamento como nosso trapezista tenta diariamente? Cada vez mais consumidos por nossas periferias adquiridas,então deixemos a periferia entrar em colapso!O que é seu seu não vai nem sentir um arranhão, o resto às ruínas!
E agora como sair disso? Como voltar a ser singular?
Bem ,fácil, tome uma atitude criativa! Mas o que seria uma atitude criativa?
Ah mas é claro, é fazer arte, é dançar, é pintar e...e... sei lá, cantar! Se você acredita nisso, desculpa, mas desde quando o criativo é fazer aquilo que os outros consideram criativo? Já imaginou se o mundo todo fosse de pintores? Onde que estaria a criatividade nisso, o mundo seria monótono, sem graça, e aí? E com dançarinos a mesma coisa! Já penso, todo mundo dançando no meio do ônibus, da rua, na igreja? Seria hilário, mas não necessariamente criativo.
Para aquele que já percebeu, se conscientizou de sua vida, ele sabe que a criatividade não é uma ação, mas trata-se de uma disposição interior, um jeito de olhar as coisas.
Você pode ser criativo, que nada mais é que fazer aquilo que se faz com alegria e amor, mas não o apego. A criatividade e a admiração tem uma fraca ligação, pois o que é admirado é novo,mas o novo só é novo momentâneamente, a partir do momento que se foi o que é continuamente admirado torna-se apego, a criatividade consiste em ser novo a cada momento, sem a admiração letárgica de sua obra. A criatividade é uma das expressões divinas que articula a rede de vínculos em harmonia. Ou seja, então quanto mais criativo você é, mais ligado ao divino você está, e caramba, você está em Deus, sejá lá o que ele for. Pois, se Deus é o criador, e com a criatividade se cria, portanto aquele que é criativo é o que mais está perto de Sua dimensão.
Lembre-se continuamente, a técnica , o treinamento e o conhecimento são instrumentos à criatividade, mas ela não se reduz à instrumentalidade. Estar criativo é mergulhar-se no misterioso e desconhecido. Deixar-se livre à energia que cria todas as coisas, que apesar de não ter forma nem estrutura, todas as formas nascem dela. Então pouco importa em como a expressão de sua criatividade se dê, pode ser pintar, cantar, cozinhar, mergulhar, o que importa é permitir essa expressão por seu intermédio.
Mas num é fácil ser criativo né? É? Não, não é.
Ao menos para descendentes de uma sociedade esquizofrênica como a nossa não é fácil, somos muito covardes de unificarmos, porque quando acabar o conflito dentro de nós, teremos que nos defrontar com aquilo que é novo, e meu Deus! Não temos idéia de como será o novo, porque ele num dá pra ser pensado! Que horror! Algo que não conseguimos pensar! Mas pera aí, as maiores descobertas não eram coisas impensáveis? Então qual é esse medo de mudança, por que esse apego com antigo? Que teimosia a nossa hein!
Nós somos, sabe, sei lá, tipo uma semente. Nossa, que loucura! Como que nos somos meras sementes? Com toda nossa bagagem moral, intelectual, tecnológica e tudo mais somos apenas sementes? É. Por acaso a semente tem consciência daquilo que irá se tornar, ela sabe que é uma semente, protegida em sua casca grossa, como pode ela saber do que acontece fora dela? A semente jamais conheceu a flor, ela nem mesmo sabe que traz consigo toda essa potencialidade! Mas a jornada da semente para flor é longa, é árdua, na jornada nada é garantido, podem acontecer mil imprevistos , e a semente sente-se segura dentro de sua casca. Mas mesmo assim ela pode se esforçar e começar a sua transformação, sua alquimia, e assim ela se desfaz dessa capa resistente. Eis que surge o broto, frágil broto, sempre em busca da luz do sol, sem saber para onde nem porquê, caminha ao desconhecido até se desenvolver em flor e exalar sua fragrância, não é um caminho fácil mas esse frágil broto aspira um sonho que mal compreende.
Semelhante ao caminho da semente à flor é o caminho do homem para aquilo que não conseguimos nem imaginar. Mas pra isso temos que ter coragem e meter as caras nessa vida, e não adianta querer negar as intempéries da vida, ou enfrentá-las ou tentar ignorá-las, elas são parte da vida como tudo o mais. A flor teve que passar por tudo para tornar-se o que é, e você? Você acha que a vida ta aí pra se reclamada, a reclamação fica com você , mas a vida vai em frente e num volta por você não.
Mas antes de alguém dizer que estou em contradição, que eu admiro a criatividade, fique sabendo que eu contemplo a criatividade, eu a vivo e a expresso, minha criatividade não dá tempo pra admiração, ela não permite a letargia.
Sejamos o mergulho do Tao, um mergulho na criatividade! Deixar que nossa águia e nosso cisne se harmonizem na dança da vida! E que diabos são a águia e o cisne? Esse cara só fala mais e mais metáforas, que doido! Bem ambos são seres majestosos e alados, mostram nossa capacidade de enxergar além do fragmento, uma visão integrada, holística. A águia, encarnação do poder e da solitude, é macho, é fogo, é vida, e do outro lado encontramos o cisne, a corporificação da pureza e do espaço, mergulhando nas emoções e na beleza, ele é fêmea, é água e morte. Ambos integrados no símbolo da autocriação. Que símbolo da autocriação? Que senão a vida e o homem nela contido?
Deixemos de ser admiradores, ficar na hipocrisia de viver a realidade dos outros, sejamos criatividade sempre, criemos nossas realidades, nossas artes e nossas concepções, pois é uma alegria criar, e uma benção aos demais inspirados com sua criatividade.

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