terça-feira, 7 de outubro de 2008

As multidões de um homem só

E era um trapezista em suas barras, se segurando lá do topo do picadeiro
as pernas em uma barra e os braços na outra, e sem nenhuma rede abaixo.
Quê fazer agora caro equilibrista? Não há escadas nem cordas pra escapar!
O único caminho é o chão! Mas, oh! Nada lá embaixo há para te proteger,
lhe resta a dúvida agora, deve largar primeiro as pernas pra cair em pé?
Ou cederá os braços, fazendo com que caia de cabeça?
Ficar na mesma posição e fingir que nada acontece, bem se assim fizer,
será um tolo, porque mais cedo ou mais tarde teu corpo irá ceder
a imobilidade é muito desgastante para tua carcaça humana.
Logo, logo você se perceberá entre a cruz e a espada
esse dilema da mente humana, da divisão humana
tu perdeste a simplicidade meu amigo, e afastou de si
tanto conhecimento, tanta cultura, fez esquecer de sua unidade
o centro permanece intocável, mas suas periferias...ai ai
se tornou tão condicionado a fazer as coisas que agora se contradiz
o padre em ti, a criança em ti, o jovem em ti, o servo em ti
o trabalhador em ti, o pai em ti, a mãe em ti, a sociedade em ti
todos em conflito, combatendo uns aos outros,
fazendo do corpo um campo de batalha, um inferno na terra.
Tu trapezista, tu não és um ser, tu é uma praça de mercado
tem muitas vozes em ti, mas tu está mudo, é servo de tua história.

E agora trapezista, qual a solução? Por que não larga tudo de uma vez?
Se solta e deixa o coração sentir a queda, deixar ele decidir
viemos do desconhecido, e para ele voltaremos
essa nossa corporificação é mortal, é perene
o que a gente diz ser, nosso jeito de pensar são apenas molduras
são cercas em que nos colocamos, mas a cerca apodrece e cai
então por que deixar que elas cerceiem nossa vida?
Por que nos deixar divididos entre o conhecido e o desconhecido?
Oras, o que é hora é conhecido logo será desconhecido
esse movimento é um pêndulo, o inconsciente relativo
é como a flor que se desabrocha toda manhã e de noite se fecha
ela continuará pela eternidade nesse movimento,
até que ela se conscientize de si mesma, ela se fecunde
e o pêndulo sai do movimento bidirecional para algo impensável
a flor vai rumo ao incognoscível, e desse modo se liberta de si
A ilusão, a mistificação da flor termina, ela torna-se incógnita.
Trapezista! Seja uma incógnita!
Queime as cercas, quebre as molduras
e deixe ir...

E agora solte-se, solte-se de uma vez
e celebre sua vida, celebre seu momento, sua intensidade!
Como assim você não vai pular? Que te falta trapezista?
Desconfia da vida? Acha a vida triste?
Já por acaso viu uma árvore deprimida?
Ou um animal neurótico?
Ou quem sabe um pássaro movido a ansiedade?
Você acredita ser sábio da vida por ter muita esperteza,
mas caso não saiba amigo, tua própria esperteza é teu mal
você não é um ser onírico, impermeável
você é desse mundo, lembre-se sempre de parar
parar de divagar em sonhos, fantasias, mentalidades, raciocínios
nenhum extremo faz bem para ti, ambos só permitem ver fragmentos
e como fragmentos, são todos divididos, e não há união
cada pedaço de você se atem a uma realidade,
mas não há fluidez, articulações, integração
só há estilhaços que cortam uns aos outros.
Trapezista, salve-se dessa dicotomia, dessa multicotomia!
Celebre a vida que está acontecendo, experiencie-a
cante, dance , chore, fale , grite, interaja com ela, você vai gostar
tire a maquiagem, tua roupa de trapézio e pule na vida
a festa acontece à tua volta, todo momento! Curta!

Você ainda está incerto, quer pensar na decisão...
Continua adiando a vida, o momento
nunca está bom o suficiente, precisa de mais experiência
de mais conhecimento, de mais "mais"...
Trapezista, adiar é simplesmente estupidez!
Em tua posição, tu acha que será mais sábio amanhã do que hoje?
Terá mais vigor, mais coragem para enfrentar teu destino?
Vou te contar uma verdade, o amanhã nunca chega
e se você sempre adiar pro amanhã, você nunca fará
você estará mais velho e covarde, tua pretensa experiência
Ah... essa salvadora, será tua maior dissimuladora
ela fará tu titubetear mais e mais, te levará a paralisação
amanhã a morte estará mais próxima de ti
e o amanhã, então, pode ou não chegar para você.
Se é pra decidir trapezista, decida!
Deixe de viver nessa paisagem cinzenta, mude
esqueça dos "e se...", mude
é tua decisão de querer cores ou não em tua vida
a consequência de seu adiamento será teu tédio e tua depressão
sentirá limitado e incompleto, sentirá insatisfeito
portanto mude, alivie de teu corpo essas barras
solte e caia na vida, não de força pra indecisão
se desenvolva na liberdade, na tua livre vida
e tu se perguntará o que lhe fez esperar tanto tempo
jogue as multidões do penhasco, cale as vozes que não tuas
e permita-se o vazio, o além
E agora meu caro trapezista? O que fará?
Eu te espero lá embaixo, e você?

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