sábado, 3 de julho de 2010

Toxicomania

Queremos elevar o humor, queremos escolher nossas tristezas
saber quando deprimir, quando aquietar-se
e nós, últimos assépticos, não queremos drogas, ou remédios
queremos iluminação, luzes de outro mundo
acreditamos em palavras, lemos tudo como se fosse um conto
a bíblia, mais uma crônica
a filosofia, um romance
um conto imaculável, que nos livre do nojo da carne
mas quem escreve é um contista, não um iluminado
e contista sem veneno adoece
quem sabe, é o único homem que precisa do veneno para trabalhar
se envenena para envenenar
o contista é irremediavelmente um maculador, um disseminador
contamina ao toque, pois só assim é levado a sério
se não há tragédia, quem pensa?
Um homem inteiro que não é
é muito pesado, atrapalha
a condição do contista é ser parte, um fragmento
se fosse grande demais, ninguém engolia
o contista se faz pílula, venena-se
é tomado pela rotina do mundo
e faz a rotina do mundo o tomar
rotina que reprime patias, sejam simpatias ou antipatias
patias do phatos, caminhos, caminhos reprimidos
rotina que corrói caminho de volta, a lembrança
rotina que corrói a própria história
contista que deseja agir pelo coração, irracional
mas só sabe agir por vontades, no momento, esgotadas
pensou em se analisar,
mas psicanálise rotinada é lápis apontado demais,
não há mais grafite para escrever, só um toco de madeira
contista analisado, contista que se entende
até tempera as dores do tédio,
mas não abole as jaulas do tempo rotineiro
e seu veneno, enfim neutralizado
enfim, contista neutralizado

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