sábado, 2 de outubro de 2010

Ecologia de cavernas

Por quê motivo consideramos uma árvore retorcida, que revive após as cinzas das queimadas, mais digna do que um organismo tão pequeno quanto o líquen?
Que hierarquia camuflada é esta que me põe a julgar a vida sob um olhar numa zona de afetos que não me constituiu?
Digo que os seres da caverna são fracos, pois não resistem à luz.
Digo que os seres da caverna são impotentes, pois não são dotados de visão ou termo-regulação.
Que falta é esta que atribuo aos habitantes dessa zona ora calcária, ora arenítica, ora granítica.
Como ao peixe sem olhos pode faltar a visão?
Nos achamos superiores pela visão, e essa frágil vida dilaceramos. Por quê? Por quê podemos?
Mas quando nos adentramos a escuridão primitiva, sem as luzes da ciência ou do saber, sem fósforo ou fogueira, que nos resta? A escuridão, e um corpo que não sabe jogar neste circuito intensivo.
Estabelecemos níveis de vida pelo que podemos em nosso circuito social, mas e outros campos? Em outros campos, o corpo se faz estúpido, pois não se conecta às vertigens conformem aparecem.
E idolatramos raízes profundas, idolatramos caules retorcidos e madeiras que sobrevivem ao fogo. Confundimos gradientes com formas, potência com poder - poder pastoral, poder submissivo, poder do tirano.
Pois cavernas tem uma ecologia frágil, seus habitantes se viram no mínimo que lhes é oferecidos, fazem o possível para que a vida se manifeste. E surge tais homens que julgam, tal vida não é digna, tal vida é fraca, tal vida é impotente.
Mas um homem diante de um vulcão é o quê? Eis que se defronta com sua miséria, a impotência que achava no líquen de raízes rasas lhe é comum, sua vida é rasa diante do magma, mas é vida.
De que corpo, de que potência a vida se utiliza? Não é questão de valorizar formas, mas de fazer a vida penetrar nos mais diversos circuitos. Circuitos cavernosos, circuitos cerrinos, circuitos solares.
A potência comum da vida, e não do homem, é que deveria estar no centro, ou melhor, nos descentramentos sucessivos e contínuos, abrindo às formas conexões, ligações, conjugações, mestiçagens. O Homem não existe. Um homem é mais um elemento da multidão, multidão a-orgânica, multidão-ovo, multidão-gradiente.
Eis que desconfiais os que promulgam a força, pois são arautos da fraqueza...

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