segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Manifesto da linguagem

Chega!

Basta!

Já não se aguenta mais!

É pau, é pedra, é fim de caminho, diria a música

E eu digo: é hora de pegar paus e pedras
Já é hora de deixar de ser ingênuo
Já é hora de revoltar-se com a casa
e hora de explorar novamente a mata

Se há uma pedra no caminho
Se há uma estátua no caminho
Se há uma catedral no caminho
Quem disse que acaba aí o caminho?

Basta!

Basta de sossego!

As palavras estão muito duras, os poetas: mortos

Enquanto isso os tablóides de jornal reduzem o mundo a 26 letras

Troca-se vida por informação
Monta-se o palco, encena-se o massacre e o assassinato

E a platéia, indignada com a situação
Explode-se em catarse de lágrimas
Não resiste a se amortecer com o espetáculo

Olhares vidrados, extinguidos de vida
Ouve-se um grito, um grito entranhal

É a puta que solta seu último suspiro diante do cafetão
É o pai ajoelhado diante da arma que sua filha carrega
É o menino do tráfico acovardado pela polícia-guerrilha
Por um momento, a platéia se choca

Mas apenas um momento,
Pois vira-se a página
E seus olhos secos se direcionam aos cadernos de cultura

Olhos se cruzam com linhas
letras, palavras e frases
mas do mesmo jeito vertiginoso que passa olhar
não se deixa tocar pelo que é escrito

A linguagem corre sério risco
ela já não nos afeta mais

nossa cabeças estão obesas demais para ler
nossos corpos - raquíticos demais para sentir

as catarses que nos assaltam, nos atropelam
mais são deveres culturais do que um corpo que chora
não é um corpo em devir, mas um sentimento em estamento
diante de nosso imaginário, de nossas fantasias sociais
utopias e distopias de um novo mundo

Basta!
É hora de pegar os paus e pedras!
Pegar essa pedra, essa estátua, essa catedral no meio do caminho
e estilhaçar sem nenhum remorso
Quem sabe assim, movendo os músculos, nossos corpos não sintam mais?
Que cada palavra seja obliterada
que denuncie as mazelas daquilo que chamamos
BEM, AMOR, CIÚME, MAL, ÓDIO, VIDA, DEUS
Chega de abstrações!
CHEGA!

Cansei, dessas palavras que a gente usa inconsistentemente
Cansei dessa nossa mania de perverter as palavras
de torná-las nossos deuses e deusas
Cansei das letras que se aglutinam e se dizem de vanguarda
cheias de significados e sentidos, permeadas de metalinguagem

Se a vida não se justifica, porque a linguagem o tem que fazer?
Repugnável poder que o homem dá a palavra da metalinguagem
em troca da submissão da vida à sua ordem gramatical

A linguagem deve desertar-se de seu significado
para viver ela deve rejeitar toda pretensão a uma ordem
tornar-se uma estrangeira em seu ninho

Sair das amarras da abstração
Afirmar sua comunicatibilidade com a vida

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