quarta-feira, 3 de março de 2010

Secura

Escrevo porque tenho sede. Minha boca está seca, como se tivesse passado dias, senão semanas atravessando as superfícies de um deserto sem retorno. Estou jogado. Lá e cá divergem sem parar, e o para trás nunca converge em meu passado. Terreno inóspito a humanidade. Lugares muito fugazes e traiçoeiros cuja ordam não é dada, nunca o foi. Meu corpo revira de sede, mas gotas de imaginação de mundos causais e suas leis já não me nutrem. O tempo se estende, o tempo se dobra, o tempo é ventado. Lá se vai mais alguns momentos, junto com os grãos de areia. Soçobram e riscam minha pele, sou acometido pelas marcas desses elementos. O tempo não me torna velho, ou mesmo jovem, o tempo apenas marca passos nas areias. E desfaz.

Sinto que está tão perto, quase uma intuição o diz. Mas o panorama de minha visão não me permite escapar das areias do deserto. Sigo a encontrar em meios as dunas. O que quero encontar? Não sei. Pensei em dizer que o que procuro é algo que mate essa secura, essa desidratação existencial que me submeti, mas seria uma mentira. Estou em busca. Em busca de algo que não sei nem o contorno, não faço a mínima noção. O vulto de um sonho que se torna um obsessivo encosto. Um abalo sísmico do deserto, uma reconfiguração do jogo.

Mas eu estou ouvindo o canto das areias, algo que se estivesse saciado, não ouviria. E suas canções me tocam, me nomadizam. Essa secura da boca me sutilizou os sentidos. Um afinamento das cordas que me vibram. Necessidade vital: sede. Estar sedento para criar, o que não é ter sede de criar. O que urge no primeiro estado é superior ao segundo, pois o que o alimenta é a assimetria. O segundo tipo não é vital, é showroom.

Não há motivos para showrooms na imensidão. Apenas o que é vital ao peregrinar.

Nenhum comentário: