quinta-feira, 4 de março de 2010

UTI...

Hoje, o corpo já não é mais domínio. Já não o controlo mais. Ou apenas perdi a ilusão de meu poder sobre ele. Tornei-me um trepidante, um gago do andar. Passos curtos, pesados, grotescos. Uma engraçada cena ao espectador.

Pelas ruas da cidade fui a passos cambaleantes, um marginal sem rumo. Eis que surge um pequeno ser acomodado por seu mãe-móvel. Era uma garotinha de olhos castanhos, morena e tuas mãos eram uma arma. Mirou-me e num certeiro tiro, silencioso ao mundo adulto, desestabilizou meu corpo. Quase cai, organicamente falando. Uma surpresa, estranha e cruel. Por pouco o corpo não fica estatelado na faixa de pedestres, mas o corpo seguiu em frente.

Aquele invisível tiro acertou uma invisível camada que estava carregando. O corpo seguia, mas eu estava lá, com as mãos de sangue da cor do céu, fui ferido, abatido. Seres perigosos esses pequenos humanos. Meu corpo já estava longe, rumo a um destino que não conhecia muito bem, e eu vendo o céu, os carros passarem por mim. Eu estou morrendo, estou numa sala de hospital qualquer loteada de máquinas e soro. Um branco total. Minha companhia é um aparelho que faz bip, bip, bip.

Enquanto isso meu corpo está lá, entrando em um estranho edifício. Ele está conversando, conversa com outros corpos, mas será que esses corpos passaram pelo mesmo que eu? Acho que a pergunta foi meio incompreensível. Eu quero dizer, essa experiência que fui esses corpos também a tem? Bem, ao menos ele não parece fazer muita questão, está seguindo adiante a uma sala com uma cadeira.

Hoje perdi a virgindade de meu sangue. Já não é mais meu. Amores perdidos vindo a tona, dessabores mostrados numa tipagem. Sou filho de alguém, lá está dito. Mas o exposto me lança em outro contorno, minha história em um conta-gotas, e a confirmação de minha morte a poucos passos.

Um tubo de sangue por um cartão, minha carta de alforria. Rio agora da cara da morte, como Sifiso o fazia. Quer seja o resultado, já não fugirei de tua raia. Se necessário serei necrófago, te devorarei sem fim, até o último de meus dias. Tu será o alimento que me sustenta, não te temo apesar dos arrepios que me provoca. Tua foice me decepou, tirou o pé que me sustinha, e agora sou bambo, mas tua foice será minha muleta.

Tua máscara já não me engana, e viverei em teus braços, sua ardilosa vida...
biiiiiiiiiiiip...

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